No âmbito da cinematografia contemporânea francesa, é notável o talento de alguns diretores que, apesar de jovens, já vêm calcando suas carreiras com obras de qualidade inenarrável. Os dois grandes realizadores dessa nova safra são François Ozon, que vem dirigindo, em média, um filme por ano, e Christophe Honoré, também dono de uma filmografia iniciada há poucos anos, mas já apresentando um bom número de exemplares. Cada qual ao seu estilo, mas pertecentes à mesma geração, eles buscam entender o que se passa na cabeça dos jovens, ricos e entediados, que parecem levar suas existências em uma sucessão de dias banais, sem a preocupação de que o dia seguinte pode não chegar. Essa observação da rotina niilista da juventude atual alcançou seu apogeu com Em Paris, mas uma entre tantas produções que
carregam o nome da capital francesa em seu título, e cuja direção pertence a Honoré, também responsável por títulos como Ma mère (não lançado no Brasil), Canções de amor e A bela Junie.
A trama é focada em dois irmãos de comportamentos antagônicos, o que, em si, não representa qualquer inovação, visto que, anualmente, filmes aos montes são produzidos com base nesse argumento. Independente disso, originalidade não deve ser condição sine qua non para que se decida por assistir a um filme. Mais vale uma história corriqueira sendo bem contada que uma premissa fenomenal que não se desenvolve a contento - deixemos esse comentário para um certo Almas à venda, só para ficar em um exemplo recente. Digressões à parte, esse é apenas ponto de partida de Em Paris, cuja narrativa é condensada em um único dia na vida desses dois irmãos. A propósito, eles se chamam Paul (Romain Duris) e Jonathan (Louis Garrel), e voltam a morar juntos depois que o segundo se separa de sua namorada.
Com isso, suas personalidades diversas ficam novamente encerradas em um mesmo ambiente, o que faz com que eles contraponham e/ou justaponham suas visões sobre a vida, o amor, as mulheres e outros assuntos em suas conversas. O fato de Paul e Jonathan terem olhares bastante diferentes sobre o mundo não lhes impede de manter uma forte cumplicidade, que culmina com gestos íntimos de demonstração de carinho mútuo, que podem gerar certa desconfiança no espectador que começar a ver o filme depois de seu início. Há uma cena em que os um deles está na banheira, e outro entra nela também para consolá-lo, já que ele não se conforma com o fim do casamento. Durante as 24 horas que se sucedem na vida de Paul e Jonathan, eles explicitam a maneira como encaram a vida, adotando comportamentos distintos. Enquanto Paul permanece enclausurado no apartamento, onde também mora o pai deles, Mirko(Guy Marchand), Jonathan prefere caminhar pelas ruas, à caça de uma nova conquista a cada esquina.
É impressionante o charme de Jonathan, que, como logo se percebe, é o irmão mais novo. Personificado por Louis Garrel, cuja projeção se deu no já legendário Os sonhadores, ele é o retrato do bon vivant, que saracoteia inadvertidamente por veredas da desocupação, sem se interessar em fazer qualquer coisa de útil. Garrel se tornou o ator preferido de Honoré, e já soma cinco trabalho seguidos sob a batuta do realizador. De fato, é um ator muito talentoso, que sabe como hipnotizar a plateia a cada aparição de um personagem seu. Ao longo de Em Paris, é exatamente assim que ele sempre surge: livre e lépido, como uma lebre. Não perde tempo em conquistar, e sempre triunfa com o garbo de um Casanova que colhe o fruto que antes espreita com diligência, que, em seu caso, são as jovens em fase de efervescência hormonal, exalando estrogênio por onde passam, misturado a um feromônio que atrai inexoravelmente.
Por sua vez, Paul vai desenvolvendo o mesmo tipo de depressão que levou sua irmã ao suicídio, algum tempo antes, o que leva Mirko a várias tentativas de tirar o filho de sua inércia. Nesse sentido, Paul é realmente o extremo oposto de Jonathan. Se os dois fossem nuvens, Paul seria um cúmulo nimbo, daquele bem carregado, prestes a chover a qualquer momento, enquanto Jonathan seria um alto cirro, que se despedaça facilmente com o calor do sol, por ser fino e pouco consistente. De alguma forma, essa discrepância de naturezas os aproxima, refinando a afeição que nutrem um pelo outro. Com sua luminosidade, Jonathan vai tentando enredar Paul em um atmosfera de alegria, sufocando suas verbalizações de descontentamento, mas não é tão simples quanto possa parecer.
Como se pode depreender dessa crítica, a narrativa de Em Paris se fixa em um espaço circunscrito de um único dia para mostrar apenas aspectos ordinários da trajetória de seres absolutamente comuns. O pai dos dois, Mirko, também não apresenta nenhuma grandeza, e encara sua vida com a maior simplicidade possível. O intéprete de Mirko, por sinal, é um indício da homenagem que Honoré se propôs a render com esse longa à nouvelle vague. Trata-se de Guy Marchand, um ator habitualmente presente no elenco de filmes desse movimento cinematográfico. Os enquadramentos da câmera, a fotografia minimalista e a narrativa apontam para uma espécie de filiação do diretor aos grandes nomes que compuseram a nouvelle vague. Por meio de Em Paris, o jovem cineasta nos abre uma janela com vista para a filigrana do talento.
Acompanhar o filme é descobrir que Christophe Honoré desenvolve uma história simples e cotidiana com habilidade e desevelo, sem se preocupar demasiadamente em ser original, mas em se apresentar como tributário de uma forma de fazer cinema que muito modificou a perspctiva dos diretores franceses, assim como de boa parte da Europa. Orçado em apenas 1,5 milhão de euros, Em Paris é cinema em estado puro, com belas imagens oriundas do apuro visual de Jean-Louis Vialard, responsável pela fotografia, e com atuações seguras e econômicas dos protagonistas, que tornam os 92 minutos de projeção um belo programa para se fazer no cair da tarde de um sábado morno e reflexivo. Os questionamentos que todos nos fazemos sobre o dia a dia e a vida estão lá, longe de serem mascarados por um final feliz à Holywood, que pasteuriza até mesmo a ideia de felicidade.
23 de set. de 2010
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