6 de out. de 2009

A viagem existencial de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças"

As histórias de amor nunca mais foram as mesmas depois de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças". O filme é um feliz encontro de um diretor competente com um roteirista de talento comprovado. Trata-se da união entre Michel Gondry e Charlie Kaufman, respectivamente.

Aqui temos, novamente, uma maluquice oriunda da mente criativíssima de Kaufman, que navega pelos interstícios misteriosos do amor. Não há novidade no tema abordado, e sim na maneira como se o faz. Para os familiarizados com o baú de invenções do roteirista, é sabido que virá muita metalinguagem e passeios insanos pela mente humana.
Partindo dessa premissa, o espectador é convidado a acompanhar um conto sobre o nascimento e o ocaso do amor entre Joel (Jim Carrey, menos careteiro) e Clementine
(Kate Winslet, adoravelmente louca), que se conhece numa pequena estação de trem. Conversam um pouco e se apaixonam, dando início a um idílio tão intenso quanto fugaz. Isso porque Clementine se cansa da rotina na qual se transforma seu
relacionamento com Joel. Para alguém que é mutável por natureza (o que se traduz, entre outras coisas, na variedade de cores de seu cabelo), esse detalhe é inconcebível. Daí, vem o rompimento e, com ele, a ideia inovadora de Clementine:
passar por um tratamento na clínica do Dr. Howard (Tom Wilkinson). A experiência consiste em apagar da mente todas as lembranças relacionadas a alguém especificamente que, no caso dela, é Joel.

Inconformado com a atitude de sua ex-namorada, Joel decide passar pelo mesmo procedimento. O problema começa quando, no meio do processo, ele percebe o quanto ainda ama Clementine, e que não suportaria viver sem as reminiscências desse "enlace amoroso".
Contado em linhas gerais, o enredo já mostra um mescla de gêneros cinematográficos distintos. O filme consegue fundir romance, drama e ficção científica, além de uma dose de comédia, que surge das várias situações improváveis em que os personagens se metem. Essa mistura é um dos fatores que exigem a atenção do público, pois um simples piscar de olhos pode significar a perda de elementos importantes da narrativa, que não é convencional. Isso advém do fato de que, a partir da decisão de Joel em cancelar seu tratamento, várias ações se passam em sua cabeça, especificamente aquelas que se referem à sua relação com Clementine.
Essa é a chance que temos de acompanhar, mais desdobradamente, os momentos vividos pelo casal, tão banais quanto inusitados. Nessas sequências, o púbico pode mais facilmente se apaixonar pela história dos dois, mas não adiantará torcer por eles, já que, de antemão, sabe-se que não há muito futuro para os dois.
A exemplo de seus roteiros pregressos (Quero ser John Malkovich, Adaptação), Kaufman flagra, em "Brilho eterno...", a finitude da existência e a fragilidade dos laços humanos. É um cinema em que se encontram insights de reflexão, lançados sem ancoramento na realidade palatável a que estamos acostumados.
Felizmente, Gondry compreendeu essa essência, e houve harmonia entre ele e Kaufman, assim como o foi com Spike Jonze anteriormente. E, mais uma vez, há um elenco afiado para dar conta do nonsense (aparente) dessa viagem existencial. Também se tem verborragia e uma constatação cruel, ainda que não inédita: o amor não resiste à rotina.

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