25 de out. de 2009

"Dúvida", um filme sobre verdades ocultas

Nos últimos anos, a safra de filmes indicados ao Oscar tem sido fenomenal. Sobretudo em 2008 e em 2009, quando o público pôde conferir obras consistentes tratadas com talento e fluidez. Assim como "Dúvida", estreia de John Patrick Shanley na direção de longas. Trata-se da adaptação para o cinema da peça homônima dirigida pelo mesmo Shanley.

A seu favor, está um elenco formidável, encabeçado por Meryl Streep, sobre quem paira o sentimento do título durante todo o filme. Ela é a irmã Aloysius, uma freira extremamente conservadora que rege ferreamente um colégio infantil no Bronx dos anos 60. Preocupada em manter a ordem na instituição custe o que custar, ela começa a desconfiar de um de seus colegas, o padre Flynn, (um irrepreensível Philip Seymour Hoffman), que, na sua visão, dedica atenção demasiada a um aluno negro. Aloysius crê que há algo de errado nessa relação tão próxima, e decide investigar por conta própria.
Quem a ajuda, involuntariamente, a aumentar sua desconfiança é uma das professoras do menino, a jovem irmã James (Amy Smart, contida na medida certa), que acredita ter visto o padre e o garoto numa situação comprometedora. Mesmo sem ter provas concretas nas mãos, Aloysius inicia uma cruzada contra Flynn, disposta a afastá-lo do cargo na escola.

É sobre essa incerteza que "Dúvida" se alicerça, trazendo diálogos inspiradíssimos, rendendo momentos ímpares de atuações de Streep e Seymour Hoffman. Os embates entre seus personagens valem o filme, que deixa nas mãos do espectador o julgamento sobre o padre. Desde o início, a história faz jus ao seu título, se mostrando plena de ambiguidades e enviesamentos. Shanley convida o público a se posicionar a favor de um ou outro, sem diplomacia.
O roteiro, feito para o teatro, reforça o tempo todo a ideia de ênfase em cenas que aproximam muito o espectador dos personagens, muito mais do que em ações. A condução da trama é lenta, mas não compromete sua economia narrativa, que não ultrapassa as duas horas de duração. Cada detalhe vale ser pinçado, para que o quebra-cabeças possa ser montado, a depender do ponto de vista de quem está assistindo. O filme debate bastante a questão do que é real do que é fictício, que pode ser fruto da imaginação de uma pessoa ou não. Nos tempos hodiernos, reino da hipocrisia, a discussão é bastante oportuna. Em "Dúvida", os silêncios são valorizados, e também podem comunicar informações importantes.
É interessante esquadrinhar os meandros da incerteza, que pode desasossegar e cegar quem a possui. Muito do que se vê na trama está impregnado da visão de Aloysius, e é preciso um certo distanciamento de sua perspectiva (talvez) precipitada para se chegar (ou não) a uma conclusão pessoal. Nesse sentido, o filme é de um valor inenarrável, pois não oferece uma resposta pronta. Provavelmente, um enorme ponto de interrogação acompanhará o público ao final da sesão. De uma história chamada "Dúvida", não se poderia esperar outra característica.

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