O ano de 2002 ofereceu aos cinéfilos obras memoráveis, que merecem ser vistas e revistas em sua excelência e encanto. Nesse mesmo ano, o público pode acompanhar mais uma ousadia de Charlie Kaufman com direção de Spike Jonze, o subestimado "Adaptação". Foi também em 2002 que se conferiu outro trabalho antológico de Stephen Daldry, "As horas".
Mas um filme especificamente passou quase despercebido pelos cinemas, e vem de uma época contígua à desses neoclássicos. Trata-se de "Longe do paraíso", do diretor Todd Haynes. Ele retoma sua parceria com Julianne Moore, depois de "A salvo", para contar uma história de amor, mentira e hipocrisia.
Os desejos velados são a mola propulsora da narrativa do filme. É em cima dessa matéria-prima que se apresentam os personagens principais da história, ambientada nos anos 50, época idílica para a cultura dos EUA. Numa mansão confortável e luxuosa vive o casal Cathellen (Moore) e Frank Whitaker (Dennis Quaid). Ela, uma mulher fútil que se distrai organizando festas para seus amigos da alta sociedade. Ele, um empresário ocupado demais em seu escritório. Logo no início, fica claro que nada na casa está o mar de rosas que Cathy tanto gostaria que fosse, o que demonstra em seus esforçoas para ser uma esposa adorável e mãe dedicada. Ainda assim, qualquer possibilidade de conflito permanece sendo varrida discretamente para debaixo do tapete.
Pois bem, até certo momento. Tudo começa a degringolar de vez no dia em que Cathy decide levar, ela mesma, a jantar de Frank, que está no escritório fazendo serão naquele dia. O que ela presencia ao chegar ao local é uma cena tão inesperada quanto decepcionante. Seu casamento, já claudicante, passa por uma metamorfose irreversível. Tanto ela quanto ele mergulham numa espiral de negação do próprio desejo, que cresce a cada dia, indenpendente de seus esforços em trilhar o caminho oposto. Em cada gesto, em cada olhar, em cada diálogo, Haynes evidencia essa quebra de encanto progressiva que se dá entre os dois.
Reside aí um dos pontos fortes de "Longe do paraíso": sua economia narrativa. Sem qualquer sobressalto, a trama se delineia paulatinamente, dimensionando para o especatador toda a intensidade dramática do filme. O debate sobre o preconceito também encontra espaço, a partir do momento em que Cathy se aproxima do jardineiro da família, um negro (Dennis Haysbert). As amigas dela tentam disfarçar, mas exalam a hipocrisia ao julgar esse contato tão próximo entre os dois.
Outro ponto a favor do longa é sua fotografia. Edward Lachman, responsável por ela, trasmite a aparente frivolidade que permeia a vida dos protagonistas, que criam para si seus próprios castelos e, uma vez enclausurados neles, pretendem ali ficar, sem assumir o que realmente são.
Julianne Moore, por sua vez, irradia brilho e desalento na pele de Cathy, uma mulher que escolhe sucumbir ao peso das convenções da época, sem se permitir viver o que deseja de verdade. De fato, o filme merece muito mais atenção do que a que lhe foi dispensada quando de seu lançamento. Até mesmo o Oscar fez pouco caso do filme, dsando quatro míseras indicações a ele, entre as quais a de melhor atriz para Moore, que perdeu para Niole Kidman. Ao menos era uma candidata à altura.
É sobre a angústia do querer que Haynes, também autor do roteiro, nos fala o tempo todo. E nos comove, de forma a nos tirar, em alguma instância da excessiva complacência.
21 de out. de 2009
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