Da safra de filmes dos anos 80 dirigidos por Woody Allen, "Crimes e pecados" é o que encerra a década. E o faz muito bem, diga-se de passagem. Nesta nova produção passada em sua adorada Nova York, o humor é discreto, e a temática preferida do cineasta, o impedimento moral, aparece com tintas mais existencialistas. O que Allen e propõe a tratar é sobre o preço que se paga a cada escolha que se faz na vida, seja ela boa ou ruim.
Para isso, se ocupa de contar duas histórias paralelas sobre dois homens comuns. Essa experiência de narrativa díptica voltaria a ser vivida por ele em outras produções, como o recente "Melinda e Melinda".
Em "Crimes e pecados", dão conta dessa tarefa o próprio Allen e o talentoso Martin Landau. O que há de comum entre os dois é que ambos estão vivenciando situações-limite, cada qual por um motivo.
Judah Rosenthal (Landau) é um oculista que vive um caso de longa data com uma charmosa mulher (Anjelica Houston, o retrato da neurose). Mas essa relação está se deteriorando cada vez mais, e ele decide que é o momento de dar um fim a tudo. Portanto, será obrigado a lançar mão de um artifício radical, sob pena de ver seu casamento naufragar. Quem pode ajudá-lo nessa questão é seu irmão mafioso, um homem que age mais do que fala.
Cliff Stern (Allen, no tom certo), por sua vez, é um cineasta que precisa decidir filmar ou não um documentário sobre seu cunhado, que detesta. Trata-se de Lester (Alan Alda), um sujeito intratável e egocêntrico. Ele ainda tenta lidar com sua paixão por Halley (Mia Farrow), uma assitente que está envolvida com o tal documentário.
Como se pode observar, tanto um quanto o outro está numa estrada que se bifurca em duas possibilidades. Uma vez que se escolhe qualquer uma delas, a outra está eliminada definitivamente. Então, é preciso pensar bastante. Através dessa história, Allen faz um diálogo quase direto com Doistoiévski, autor de "Crime e castigo". A referência à obra, entretanto, não é uma novidade, e o próprio título do filme a evidencia. Mas o diretor parece ter uma visão mais pessimista que a do escritor russo, que chega a oferecer uma alternativa de redenção para seu protagonista, diferentemente do que Allen propõe.
É importante ressaltar que esse é um dos trabalhos mais celebrados do veterano novaiorquino, pois tem o poder de conjugar humor e seriedade com perfeição. Espectadores habituados ao riso provocado por seus filmes podem estranhar a abordagem mais séria dada por ele, mas, mesmo aqui, há centelhas de humor, temperadas com legítimo sarcasmo, o que perimite, num segundo momento, constatar que se está diante de um exemplar da filmografia alleniana. Até sua amada Nova York aparece diferente, envolta em um atmosfera ebúrnea, que traduz algo de soturno na visão que o cineasta quer trazer. Suas tiradas, marca mais do que registrada, aparecem aqui também. Só que um pouco mais amargas, condizentes com o baixo grau de comicidade das histórias que vão sendo contadas.
Por esses e inúmeros outros fatores, "Crimes e pecados" se afirma como mais uma bela opção de cinema autoral e reflexivo, daqueles feitos pela mais alta estirpe de cineastas, que ganham facilmente a alcunha de clássicos absolutos. Mais do que um diretor, Woody Allen é um realizador, que fala das chagas humanas, sejam as do querer, sejam as do viver.
11 de out. de 2009
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