A estreia de Zach Braff na direção de longas é auspiciosa. Jovem, ele demonstra grande talento ao debutar atrás das câmeras com o singelo "Hora de voltar".
Com um baixo orçamento e uma série de elementos cativantes, Braff conta-nos a história banal de Andrew Largeman (vivido pelo próprio Braff), um ator que volta à sua terra natal para o enterro da sua mãe. O retorno ocorre após nove anos de ausência, e não deixará que ele passe incólume. Sim, este é um filme sobre volta, mas não "mais um filme sobre volta", vale ressaltar.
Aqui, o cineasta lança mão de uma trilha sonora pop, que passeia por baladas mais românticas e melancólicas e também por canções mais alegres. Cada qual sublinha uma passagem importante da vida do protagonista, um rapaz travado, que já chegou à idade adulta, mas tem dificuldades no relacionamento com as pessoas, seja para amizade, seja para amor. Por conta disso, seu pai e psicólogo (Ian Holm) sempre lhe receitou drogas para ansiedade. Uma vez de volta ao lugar onde viveu áureos tempos, decide abandonar essas "bengalas" e caminhar sozinho. Acaba se apaixonando por Sam (Natalie Portman), uma adorável trapaceira, que também conquista facilmente o público com suas tiradas cheias de um humor todo particular. Uma cena memorável do filme é quando os dois, pouco depois de se conhecer, falam sobre a mentira. Sam dispara que mente o tempo todo, como um vício, mas que o fato de ela falar que mente sempre também pode ser uma mentira. Large e Sam entram num divertido jogo dialético sobre o valor da verdade. Um belo achado.
O veículo de Large, uma mistura de lambreta com motocicleta, também é um charme do filme, que tem roteiro também escrito por Zach Braff. Nas três frentes, ele demonstra uma maturidade incrível para lidar com as questões existenciais que interessam a todos. Sempre com uma visão poética, e, às vezes, algo melancólica. É aí que está uma das marcas de relevância desse longa, uma feliz conjugação de talento com a eixtência de algo a dizer. Porque não adianta um gasto exacerbado com elenco e efeitos especiais se o filme não passa verdade, é descartável e se esquece imediatamente ao final de sua sessão.
Nesse sentido, "Hora de voltar" (Garden state, no original) se destaca em meio à pilhas de besteiras com que Hollywood insiste em entupir o grande público, que se habitua a voos rasantes em termos de narrativa cinematográfica. Nas entrelinhas, a grande sacada do filme é mostrar que a vida vale por pequenos fatos, e que a felicidade não vem apenas com eventos incrivelmente grandiosos. É uma nova leitura do bom e velho carpe diem, propalado muitas vezes de maneira errônea, e que quer dizer, na verdade, atentar para cada minuto da vida, sem grandes excessos de que se arrepender depois, mas sim com consciência plena. Vale muito a pena aceitar o convite que Braff nos faz.
30 de out. de 2009
25 de out. de 2009
"Dúvida", um filme sobre verdades ocultas
Nos últimos anos, a safra de filmes indicados ao Oscar tem sido fenomenal. Sobretudo em 2008 e em 2009, quando o público pôde conferir obras consistentes tratadas com talento e fluidez. Assim como "Dúvida", estreia de John Patrick Shanley na direção de longas. Trata-se da adaptação para o cinema da peça homônima dirigida pelo mesmo Shanley.
A seu favor, está um elenco formidável, encabeçado por Meryl Streep, sobre quem paira o sentimento do título durante todo o filme. Ela é a irmã Aloysius, uma freira extremamente conservadora que rege ferreamente um colégio infantil no Bronx dos anos 60. Preocupada em manter a ordem na instituição custe o que custar, ela começa a desconfiar de um de seus colegas, o padre Flynn, (um irrepreensível Philip Seymour Hoffman), que, na sua visão, dedica atenção demasiada a um aluno negro. Aloysius crê que há algo de errado nessa relação tão próxima, e decide investigar por conta própria.
Quem a ajuda, involuntariamente, a aumentar sua desconfiança é uma das professoras do menino, a jovem irmã James (Amy Smart, contida na medida certa), que acredita ter visto o padre e o garoto numa situação comprometedora. Mesmo sem ter provas concretas nas mãos, Aloysius inicia uma cruzada contra Flynn, disposta a afastá-lo do cargo na escola.
É sobre essa incerteza que "Dúvida" se alicerça, trazendo diálogos inspiradíssimos, rendendo momentos ímpares de atuações de Streep e Seymour Hoffman. Os embates entre seus personagens valem o filme, que deixa nas mãos do espectador o julgamento sobre o padre. Desde o início, a história faz jus ao seu título, se mostrando plena de ambiguidades e enviesamentos. Shanley convida o público a se posicionar a favor de um ou outro, sem diplomacia.
O roteiro, feito para o teatro, reforça o tempo todo a ideia de ênfase em cenas que aproximam muito o espectador dos personagens, muito mais do que em ações. A condução da trama é lenta, mas não compromete sua economia narrativa, que não ultrapassa as duas horas de duração. Cada detalhe vale ser pinçado, para que o quebra-cabeças possa ser montado, a depender do ponto de vista de quem está assistindo. O filme debate bastante a questão do que é real do que é fictício, que pode ser fruto da imaginação de uma pessoa ou não. Nos tempos hodiernos, reino da hipocrisia, a discussão é bastante oportuna. Em "Dúvida", os silêncios são valorizados, e também podem comunicar informações importantes.
É interessante esquadrinhar os meandros da incerteza, que pode desasossegar e cegar quem a possui. Muito do que se vê na trama está impregnado da visão de Aloysius, e é preciso um certo distanciamento de sua perspectiva (talvez) precipitada para se chegar (ou não) a uma conclusão pessoal. Nesse sentido, o filme é de um valor inenarrável, pois não oferece uma resposta pronta. Provavelmente, um enorme ponto de interrogação acompanhará o público ao final da sesão. De uma história chamada "Dúvida", não se poderia esperar outra característica.
A seu favor, está um elenco formidável, encabeçado por Meryl Streep, sobre quem paira o sentimento do título durante todo o filme. Ela é a irmã Aloysius, uma freira extremamente conservadora que rege ferreamente um colégio infantil no Bronx dos anos 60. Preocupada em manter a ordem na instituição custe o que custar, ela começa a desconfiar de um de seus colegas, o padre Flynn, (um irrepreensível Philip Seymour Hoffman), que, na sua visão, dedica atenção demasiada a um aluno negro. Aloysius crê que há algo de errado nessa relação tão próxima, e decide investigar por conta própria.
Quem a ajuda, involuntariamente, a aumentar sua desconfiança é uma das professoras do menino, a jovem irmã James (Amy Smart, contida na medida certa), que acredita ter visto o padre e o garoto numa situação comprometedora. Mesmo sem ter provas concretas nas mãos, Aloysius inicia uma cruzada contra Flynn, disposta a afastá-lo do cargo na escola.
É sobre essa incerteza que "Dúvida" se alicerça, trazendo diálogos inspiradíssimos, rendendo momentos ímpares de atuações de Streep e Seymour Hoffman. Os embates entre seus personagens valem o filme, que deixa nas mãos do espectador o julgamento sobre o padre. Desde o início, a história faz jus ao seu título, se mostrando plena de ambiguidades e enviesamentos. Shanley convida o público a se posicionar a favor de um ou outro, sem diplomacia.
O roteiro, feito para o teatro, reforça o tempo todo a ideia de ênfase em cenas que aproximam muito o espectador dos personagens, muito mais do que em ações. A condução da trama é lenta, mas não compromete sua economia narrativa, que não ultrapassa as duas horas de duração. Cada detalhe vale ser pinçado, para que o quebra-cabeças possa ser montado, a depender do ponto de vista de quem está assistindo. O filme debate bastante a questão do que é real do que é fictício, que pode ser fruto da imaginação de uma pessoa ou não. Nos tempos hodiernos, reino da hipocrisia, a discussão é bastante oportuna. Em "Dúvida", os silêncios são valorizados, e também podem comunicar informações importantes.
É interessante esquadrinhar os meandros da incerteza, que pode desasossegar e cegar quem a possui. Muito do que se vê na trama está impregnado da visão de Aloysius, e é preciso um certo distanciamento de sua perspectiva (talvez) precipitada para se chegar (ou não) a uma conclusão pessoal. Nesse sentido, o filme é de um valor inenarrável, pois não oferece uma resposta pronta. Provavelmente, um enorme ponto de interrogação acompanhará o público ao final da sesão. De uma história chamada "Dúvida", não se poderia esperar outra característica.
22 de out. de 2009
O triunfo do silêncio em "Fale com ela"
Da fase mais madura de Pedro Almodóvar, vêm grandes pérolas para regozijo de cinéfilos ávidos de cinema bem feito. Um deles é "Fale com ela", que merece o título do obra-prima com muito louvor.
Rodado em 2002, o filme fala de silêncio, paradoxo sobre o qual se desenvolvem duas histórias inicialmente individuais: a de Marco (Darío Grandinetti) e Benigno (Javier Cámara). O primeiro é apaixonado por Lydia (Rosario Flores), apesar de ainda não ter muita consciência disso. O segundo ama Alicia (Leonor Watling), que ainda não teve tempo de corresponder ou não a esse amor.
Os dois então desconhecidos se encontram pela primeira vez em um teatro, onde se sentam lado a lado e se emocionam com o espetáculo a que assistem. Mas não se falam. Tempos depois, as respectivas mulheres de suas vidas farão com que eles se reaproximem, e aí, então, se conhecem. O que os une são as tragédias que se abateram sobre Alicia e Lydia, e que muda suas vidas definitivamente.
A condução desse enredo de forte carga dramática e emocional é feita com grande delicadeza por Almodóvar. O espanhol disseca cada sentimento submerso dos personagens, que precisam lidar com a nova vida que se lhes impõe sem aviso prévio. Nasce uma forte afinidade entre Marco e Benigno, e eles se veem confrontados com a necessidade de se doar por inteiro àquelas mulheres que tanto necessitam de cuidados especiais. É importante ressaltar que a narrativa nunca escorrega para o pantanoso terreno do dramalhão. Algumas cenas, como as das conversas entre Benigno e Alicia sãode levar às lágrimas, mas sem qualquer traço de pieguice.
Almodóvar dá provas concretas de que abandonou sua fase mais tresloucada, marcada por filmes como "Mulheres à beira de um ataque de nervos", mais no início de sua carreira. Não se trata, porém, de filmes melhores ou piores, são apenas momentos distintos de um trajetória que já soma mais de 20 anos. Aqui, ele está muito mais contido e, em parte, dissociado de um cinema de cores quentes e fortes que tanto o marcaram. Não significa porém, que "Fale com ela" não traga alguns elementos que podem caracterizar bem o que o cineasta faz em boa parte de suas obras. Também aqui, há a forte presença feminina, inclusive no título, e algumas inserções de iconoclastia e até de bizarrice, como numa sequência de sonho de um dos personagens.
Javier Cámara, por sua vez, oferece uma interpretação impecável como Benigno. O enfermeiro transpira desalento e abandono, o que, em certa altura da história, leva-o a uma atitude impensada que lhe rende tristes consequências.
As atrizes que passam o filme quase todo caladas e paradas também se mostram excelentes, trazendo, também elas, papeis de grande densidade.
O roteiro é de uma economia muito eficiente, alinhavado por mãos hábeis e sábias. Cada fotograma reafirma aquilo que desde o início, é um dos atributos do filme. Ele precisa ser sentido, acima de tudo. É uma história para se acompanhar de alma e coração abertos, sem medo de se entregar.
Rodado em 2002, o filme fala de silêncio, paradoxo sobre o qual se desenvolvem duas histórias inicialmente individuais: a de Marco (Darío Grandinetti) e Benigno (Javier Cámara). O primeiro é apaixonado por Lydia (Rosario Flores), apesar de ainda não ter muita consciência disso. O segundo ama Alicia (Leonor Watling), que ainda não teve tempo de corresponder ou não a esse amor.
Os dois então desconhecidos se encontram pela primeira vez em um teatro, onde se sentam lado a lado e se emocionam com o espetáculo a que assistem. Mas não se falam. Tempos depois, as respectivas mulheres de suas vidas farão com que eles se reaproximem, e aí, então, se conhecem. O que os une são as tragédias que se abateram sobre Alicia e Lydia, e que muda suas vidas definitivamente.
A condução desse enredo de forte carga dramática e emocional é feita com grande delicadeza por Almodóvar. O espanhol disseca cada sentimento submerso dos personagens, que precisam lidar com a nova vida que se lhes impõe sem aviso prévio. Nasce uma forte afinidade entre Marco e Benigno, e eles se veem confrontados com a necessidade de se doar por inteiro àquelas mulheres que tanto necessitam de cuidados especiais. É importante ressaltar que a narrativa nunca escorrega para o pantanoso terreno do dramalhão. Algumas cenas, como as das conversas entre Benigno e Alicia sãode levar às lágrimas, mas sem qualquer traço de pieguice.
Almodóvar dá provas concretas de que abandonou sua fase mais tresloucada, marcada por filmes como "Mulheres à beira de um ataque de nervos", mais no início de sua carreira. Não se trata, porém, de filmes melhores ou piores, são apenas momentos distintos de um trajetória que já soma mais de 20 anos. Aqui, ele está muito mais contido e, em parte, dissociado de um cinema de cores quentes e fortes que tanto o marcaram. Não significa porém, que "Fale com ela" não traga alguns elementos que podem caracterizar bem o que o cineasta faz em boa parte de suas obras. Também aqui, há a forte presença feminina, inclusive no título, e algumas inserções de iconoclastia e até de bizarrice, como numa sequência de sonho de um dos personagens.
Javier Cámara, por sua vez, oferece uma interpretação impecável como Benigno. O enfermeiro transpira desalento e abandono, o que, em certa altura da história, leva-o a uma atitude impensada que lhe rende tristes consequências.
As atrizes que passam o filme quase todo caladas e paradas também se mostram excelentes, trazendo, também elas, papeis de grande densidade.
O roteiro é de uma economia muito eficiente, alinhavado por mãos hábeis e sábias. Cada fotograma reafirma aquilo que desde o início, é um dos atributos do filme. Ele precisa ser sentido, acima de tudo. É uma história para se acompanhar de alma e coração abertos, sem medo de se entregar.
21 de out. de 2009
Falando de hipocrisia em "Longe do paraíso"
O ano de 2002 ofereceu aos cinéfilos obras memoráveis, que merecem ser vistas e revistas em sua excelência e encanto. Nesse mesmo ano, o público pode acompanhar mais uma ousadia de Charlie Kaufman com direção de Spike Jonze, o subestimado "Adaptação". Foi também em 2002 que se conferiu outro trabalho antológico de Stephen Daldry, "As horas".
Mas um filme especificamente passou quase despercebido pelos cinemas, e vem de uma época contígua à desses neoclássicos. Trata-se de "Longe do paraíso", do diretor Todd Haynes. Ele retoma sua parceria com Julianne Moore, depois de "A salvo", para contar uma história de amor, mentira e hipocrisia.
Os desejos velados são a mola propulsora da narrativa do filme. É em cima dessa matéria-prima que se apresentam os personagens principais da história, ambientada nos anos 50, época idílica para a cultura dos EUA. Numa mansão confortável e luxuosa vive o casal Cathellen (Moore) e Frank Whitaker (Dennis Quaid). Ela, uma mulher fútil que se distrai organizando festas para seus amigos da alta sociedade. Ele, um empresário ocupado demais em seu escritório. Logo no início, fica claro que nada na casa está o mar de rosas que Cathy tanto gostaria que fosse, o que demonstra em seus esforçoas para ser uma esposa adorável e mãe dedicada. Ainda assim, qualquer possibilidade de conflito permanece sendo varrida discretamente para debaixo do tapete.
Pois bem, até certo momento. Tudo começa a degringolar de vez no dia em que Cathy decide levar, ela mesma, a jantar de Frank, que está no escritório fazendo serão naquele dia. O que ela presencia ao chegar ao local é uma cena tão inesperada quanto decepcionante. Seu casamento, já claudicante, passa por uma metamorfose irreversível. Tanto ela quanto ele mergulham numa espiral de negação do próprio desejo, que cresce a cada dia, indenpendente de seus esforços em trilhar o caminho oposto. Em cada gesto, em cada olhar, em cada diálogo, Haynes evidencia essa quebra de encanto progressiva que se dá entre os dois.
Reside aí um dos pontos fortes de "Longe do paraíso": sua economia narrativa. Sem qualquer sobressalto, a trama se delineia paulatinamente, dimensionando para o especatador toda a intensidade dramática do filme. O debate sobre o preconceito também encontra espaço, a partir do momento em que Cathy se aproxima do jardineiro da família, um negro (Dennis Haysbert). As amigas dela tentam disfarçar, mas exalam a hipocrisia ao julgar esse contato tão próximo entre os dois.
Outro ponto a favor do longa é sua fotografia. Edward Lachman, responsável por ela, trasmite a aparente frivolidade que permeia a vida dos protagonistas, que criam para si seus próprios castelos e, uma vez enclausurados neles, pretendem ali ficar, sem assumir o que realmente são.
Julianne Moore, por sua vez, irradia brilho e desalento na pele de Cathy, uma mulher que escolhe sucumbir ao peso das convenções da época, sem se permitir viver o que deseja de verdade. De fato, o filme merece muito mais atenção do que a que lhe foi dispensada quando de seu lançamento. Até mesmo o Oscar fez pouco caso do filme, dsando quatro míseras indicações a ele, entre as quais a de melhor atriz para Moore, que perdeu para Niole Kidman. Ao menos era uma candidata à altura.
É sobre a angústia do querer que Haynes, também autor do roteiro, nos fala o tempo todo. E nos comove, de forma a nos tirar, em alguma instância da excessiva complacência.
Mas um filme especificamente passou quase despercebido pelos cinemas, e vem de uma época contígua à desses neoclássicos. Trata-se de "Longe do paraíso", do diretor Todd Haynes. Ele retoma sua parceria com Julianne Moore, depois de "A salvo", para contar uma história de amor, mentira e hipocrisia.
Os desejos velados são a mola propulsora da narrativa do filme. É em cima dessa matéria-prima que se apresentam os personagens principais da história, ambientada nos anos 50, época idílica para a cultura dos EUA. Numa mansão confortável e luxuosa vive o casal Cathellen (Moore) e Frank Whitaker (Dennis Quaid). Ela, uma mulher fútil que se distrai organizando festas para seus amigos da alta sociedade. Ele, um empresário ocupado demais em seu escritório. Logo no início, fica claro que nada na casa está o mar de rosas que Cathy tanto gostaria que fosse, o que demonstra em seus esforçoas para ser uma esposa adorável e mãe dedicada. Ainda assim, qualquer possibilidade de conflito permanece sendo varrida discretamente para debaixo do tapete.
Pois bem, até certo momento. Tudo começa a degringolar de vez no dia em que Cathy decide levar, ela mesma, a jantar de Frank, que está no escritório fazendo serão naquele dia. O que ela presencia ao chegar ao local é uma cena tão inesperada quanto decepcionante. Seu casamento, já claudicante, passa por uma metamorfose irreversível. Tanto ela quanto ele mergulham numa espiral de negação do próprio desejo, que cresce a cada dia, indenpendente de seus esforços em trilhar o caminho oposto. Em cada gesto, em cada olhar, em cada diálogo, Haynes evidencia essa quebra de encanto progressiva que se dá entre os dois.
Reside aí um dos pontos fortes de "Longe do paraíso": sua economia narrativa. Sem qualquer sobressalto, a trama se delineia paulatinamente, dimensionando para o especatador toda a intensidade dramática do filme. O debate sobre o preconceito também encontra espaço, a partir do momento em que Cathy se aproxima do jardineiro da família, um negro (Dennis Haysbert). As amigas dela tentam disfarçar, mas exalam a hipocrisia ao julgar esse contato tão próximo entre os dois.
Outro ponto a favor do longa é sua fotografia. Edward Lachman, responsável por ela, trasmite a aparente frivolidade que permeia a vida dos protagonistas, que criam para si seus próprios castelos e, uma vez enclausurados neles, pretendem ali ficar, sem assumir o que realmente são.
Julianne Moore, por sua vez, irradia brilho e desalento na pele de Cathy, uma mulher que escolhe sucumbir ao peso das convenções da época, sem se permitir viver o que deseja de verdade. De fato, o filme merece muito mais atenção do que a que lhe foi dispensada quando de seu lançamento. Até mesmo o Oscar fez pouco caso do filme, dsando quatro míseras indicações a ele, entre as quais a de melhor atriz para Moore, que perdeu para Niole Kidman. Ao menos era uma candidata à altura.
É sobre a angústia do querer que Haynes, também autor do roteiro, nos fala o tempo todo. E nos comove, de forma a nos tirar, em alguma instância da excessiva complacência.
11 de out. de 2009
"Crimes e pecados" ou a hora da verdade
Da safra de filmes dos anos 80 dirigidos por Woody Allen, "Crimes e pecados" é o que encerra a década. E o faz muito bem, diga-se de passagem. Nesta nova produção passada em sua adorada Nova York, o humor é discreto, e a temática preferida do cineasta, o impedimento moral, aparece com tintas mais existencialistas. O que Allen e propõe a tratar é sobre o preço que se paga a cada escolha que se faz na vida, seja ela boa ou ruim.
Para isso, se ocupa de contar duas histórias paralelas sobre dois homens comuns. Essa experiência de narrativa díptica voltaria a ser vivida por ele em outras produções, como o recente "Melinda e Melinda".
Em "Crimes e pecados", dão conta dessa tarefa o próprio Allen e o talentoso Martin Landau. O que há de comum entre os dois é que ambos estão vivenciando situações-limite, cada qual por um motivo.
Judah Rosenthal (Landau) é um oculista que vive um caso de longa data com uma charmosa mulher (Anjelica Houston, o retrato da neurose). Mas essa relação está se deteriorando cada vez mais, e ele decide que é o momento de dar um fim a tudo. Portanto, será obrigado a lançar mão de um artifício radical, sob pena de ver seu casamento naufragar. Quem pode ajudá-lo nessa questão é seu irmão mafioso, um homem que age mais do que fala.
Cliff Stern (Allen, no tom certo), por sua vez, é um cineasta que precisa decidir filmar ou não um documentário sobre seu cunhado, que detesta. Trata-se de Lester (Alan Alda), um sujeito intratável e egocêntrico. Ele ainda tenta lidar com sua paixão por Halley (Mia Farrow), uma assitente que está envolvida com o tal documentário.
Como se pode observar, tanto um quanto o outro está numa estrada que se bifurca em duas possibilidades. Uma vez que se escolhe qualquer uma delas, a outra está eliminada definitivamente. Então, é preciso pensar bastante. Através dessa história, Allen faz um diálogo quase direto com Doistoiévski, autor de "Crime e castigo". A referência à obra, entretanto, não é uma novidade, e o próprio título do filme a evidencia. Mas o diretor parece ter uma visão mais pessimista que a do escritor russo, que chega a oferecer uma alternativa de redenção para seu protagonista, diferentemente do que Allen propõe.
É importante ressaltar que esse é um dos trabalhos mais celebrados do veterano novaiorquino, pois tem o poder de conjugar humor e seriedade com perfeição. Espectadores habituados ao riso provocado por seus filmes podem estranhar a abordagem mais séria dada por ele, mas, mesmo aqui, há centelhas de humor, temperadas com legítimo sarcasmo, o que perimite, num segundo momento, constatar que se está diante de um exemplar da filmografia alleniana. Até sua amada Nova York aparece diferente, envolta em um atmosfera ebúrnea, que traduz algo de soturno na visão que o cineasta quer trazer. Suas tiradas, marca mais do que registrada, aparecem aqui também. Só que um pouco mais amargas, condizentes com o baixo grau de comicidade das histórias que vão sendo contadas.
Por esses e inúmeros outros fatores, "Crimes e pecados" se afirma como mais uma bela opção de cinema autoral e reflexivo, daqueles feitos pela mais alta estirpe de cineastas, que ganham facilmente a alcunha de clássicos absolutos. Mais do que um diretor, Woody Allen é um realizador, que fala das chagas humanas, sejam as do querer, sejam as do viver.
Para isso, se ocupa de contar duas histórias paralelas sobre dois homens comuns. Essa experiência de narrativa díptica voltaria a ser vivida por ele em outras produções, como o recente "Melinda e Melinda".
Em "Crimes e pecados", dão conta dessa tarefa o próprio Allen e o talentoso Martin Landau. O que há de comum entre os dois é que ambos estão vivenciando situações-limite, cada qual por um motivo.
Judah Rosenthal (Landau) é um oculista que vive um caso de longa data com uma charmosa mulher (Anjelica Houston, o retrato da neurose). Mas essa relação está se deteriorando cada vez mais, e ele decide que é o momento de dar um fim a tudo. Portanto, será obrigado a lançar mão de um artifício radical, sob pena de ver seu casamento naufragar. Quem pode ajudá-lo nessa questão é seu irmão mafioso, um homem que age mais do que fala.
Cliff Stern (Allen, no tom certo), por sua vez, é um cineasta que precisa decidir filmar ou não um documentário sobre seu cunhado, que detesta. Trata-se de Lester (Alan Alda), um sujeito intratável e egocêntrico. Ele ainda tenta lidar com sua paixão por Halley (Mia Farrow), uma assitente que está envolvida com o tal documentário.
Como se pode observar, tanto um quanto o outro está numa estrada que se bifurca em duas possibilidades. Uma vez que se escolhe qualquer uma delas, a outra está eliminada definitivamente. Então, é preciso pensar bastante. Através dessa história, Allen faz um diálogo quase direto com Doistoiévski, autor de "Crime e castigo". A referência à obra, entretanto, não é uma novidade, e o próprio título do filme a evidencia. Mas o diretor parece ter uma visão mais pessimista que a do escritor russo, que chega a oferecer uma alternativa de redenção para seu protagonista, diferentemente do que Allen propõe.
É importante ressaltar que esse é um dos trabalhos mais celebrados do veterano novaiorquino, pois tem o poder de conjugar humor e seriedade com perfeição. Espectadores habituados ao riso provocado por seus filmes podem estranhar a abordagem mais séria dada por ele, mas, mesmo aqui, há centelhas de humor, temperadas com legítimo sarcasmo, o que perimite, num segundo momento, constatar que se está diante de um exemplar da filmografia alleniana. Até sua amada Nova York aparece diferente, envolta em um atmosfera ebúrnea, que traduz algo de soturno na visão que o cineasta quer trazer. Suas tiradas, marca mais do que registrada, aparecem aqui também. Só que um pouco mais amargas, condizentes com o baixo grau de comicidade das histórias que vão sendo contadas.
Por esses e inúmeros outros fatores, "Crimes e pecados" se afirma como mais uma bela opção de cinema autoral e reflexivo, daqueles feitos pela mais alta estirpe de cineastas, que ganham facilmente a alcunha de clássicos absolutos. Mais do que um diretor, Woody Allen é um realizador, que fala das chagas humanas, sejam as do querer, sejam as do viver.
6 de out. de 2009
A viagem existencial de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças"
As histórias de amor nunca mais foram as mesmas depois de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças". O filme é um feliz encontro de um diretor competente com um roteirista de talento comprovado. Trata-se da união entre Michel Gondry e Charlie Kaufman, respectivamente.
Aqui temos, novamente, uma maluquice oriunda da mente criativíssima de Kaufman, que navega pelos interstícios misteriosos do amor. Não há novidade no tema abordado, e sim na maneira como se o faz. Para os familiarizados com o baú de invenções do roteirista, é sabido que virá muita metalinguagem e passeios insanos pela mente humana.
Partindo dessa premissa, o espectador é convidado a acompanhar um conto sobre o nascimento e o ocaso do amor entre Joel (Jim Carrey, menos careteiro) e Clementine
(Kate Winslet, adoravelmente louca), que se conhece numa pequena estação de trem. Conversam um pouco e se apaixonam, dando início a um idílio tão intenso quanto fugaz. Isso porque Clementine se cansa da rotina na qual se transforma seu
relacionamento com Joel. Para alguém que é mutável por natureza (o que se traduz, entre outras coisas, na variedade de cores de seu cabelo), esse detalhe é inconcebível. Daí, vem o rompimento e, com ele, a ideia inovadora de Clementine:
passar por um tratamento na clínica do Dr. Howard (Tom Wilkinson). A experiência consiste em apagar da mente todas as lembranças relacionadas a alguém especificamente que, no caso dela, é Joel.
Inconformado com a atitude de sua ex-namorada, Joel decide passar pelo mesmo procedimento. O problema começa quando, no meio do processo, ele percebe o quanto ainda ama Clementine, e que não suportaria viver sem as reminiscências desse "enlace amoroso".
Contado em linhas gerais, o enredo já mostra um mescla de gêneros cinematográficos distintos. O filme consegue fundir romance, drama e ficção científica, além de uma dose de comédia, que surge das várias situações improváveis em que os personagens se metem. Essa mistura é um dos fatores que exigem a atenção do público, pois um simples piscar de olhos pode significar a perda de elementos importantes da narrativa, que não é convencional. Isso advém do fato de que, a partir da decisão de Joel em cancelar seu tratamento, várias ações se passam em sua cabeça, especificamente aquelas que se referem à sua relação com Clementine.
Essa é a chance que temos de acompanhar, mais desdobradamente, os momentos vividos pelo casal, tão banais quanto inusitados. Nessas sequências, o púbico pode mais facilmente se apaixonar pela história dos dois, mas não adiantará torcer por eles, já que, de antemão, sabe-se que não há muito futuro para os dois.
A exemplo de seus roteiros pregressos (Quero ser John Malkovich, Adaptação), Kaufman flagra, em "Brilho eterno...", a finitude da existência e a fragilidade dos laços humanos. É um cinema em que se encontram insights de reflexão, lançados sem ancoramento na realidade palatável a que estamos acostumados.
Felizmente, Gondry compreendeu essa essência, e houve harmonia entre ele e Kaufman, assim como o foi com Spike Jonze anteriormente. E, mais uma vez, há um elenco afiado para dar conta do nonsense (aparente) dessa viagem existencial. Também se tem verborragia e uma constatação cruel, ainda que não inédita: o amor não resiste à rotina.
Aqui temos, novamente, uma maluquice oriunda da mente criativíssima de Kaufman, que navega pelos interstícios misteriosos do amor. Não há novidade no tema abordado, e sim na maneira como se o faz. Para os familiarizados com o baú de invenções do roteirista, é sabido que virá muita metalinguagem e passeios insanos pela mente humana.
Partindo dessa premissa, o espectador é convidado a acompanhar um conto sobre o nascimento e o ocaso do amor entre Joel (Jim Carrey, menos careteiro) e Clementine
(Kate Winslet, adoravelmente louca), que se conhece numa pequena estação de trem. Conversam um pouco e se apaixonam, dando início a um idílio tão intenso quanto fugaz. Isso porque Clementine se cansa da rotina na qual se transforma seu
relacionamento com Joel. Para alguém que é mutável por natureza (o que se traduz, entre outras coisas, na variedade de cores de seu cabelo), esse detalhe é inconcebível. Daí, vem o rompimento e, com ele, a ideia inovadora de Clementine:
passar por um tratamento na clínica do Dr. Howard (Tom Wilkinson). A experiência consiste em apagar da mente todas as lembranças relacionadas a alguém especificamente que, no caso dela, é Joel.
Inconformado com a atitude de sua ex-namorada, Joel decide passar pelo mesmo procedimento. O problema começa quando, no meio do processo, ele percebe o quanto ainda ama Clementine, e que não suportaria viver sem as reminiscências desse "enlace amoroso".
Contado em linhas gerais, o enredo já mostra um mescla de gêneros cinematográficos distintos. O filme consegue fundir romance, drama e ficção científica, além de uma dose de comédia, que surge das várias situações improváveis em que os personagens se metem. Essa mistura é um dos fatores que exigem a atenção do público, pois um simples piscar de olhos pode significar a perda de elementos importantes da narrativa, que não é convencional. Isso advém do fato de que, a partir da decisão de Joel em cancelar seu tratamento, várias ações se passam em sua cabeça, especificamente aquelas que se referem à sua relação com Clementine.
Essa é a chance que temos de acompanhar, mais desdobradamente, os momentos vividos pelo casal, tão banais quanto inusitados. Nessas sequências, o púbico pode mais facilmente se apaixonar pela história dos dois, mas não adiantará torcer por eles, já que, de antemão, sabe-se que não há muito futuro para os dois.
A exemplo de seus roteiros pregressos (Quero ser John Malkovich, Adaptação), Kaufman flagra, em "Brilho eterno...", a finitude da existência e a fragilidade dos laços humanos. É um cinema em que se encontram insights de reflexão, lançados sem ancoramento na realidade palatável a que estamos acostumados.
Felizmente, Gondry compreendeu essa essência, e houve harmonia entre ele e Kaufman, assim como o foi com Spike Jonze anteriormente. E, mais uma vez, há um elenco afiado para dar conta do nonsense (aparente) dessa viagem existencial. Também se tem verborragia e uma constatação cruel, ainda que não inédita: o amor não resiste à rotina.
1 de out. de 2009
"Os sonhadores", um deleite audiovisual
Os amantes de um bom cinema foram presenteados por Bernardo Bertolucci através de "Os sonhadores". O mais recente trabalho do cineasta italiano, autor de clássicos como "Último tango em Paris" e "A estratégia da aranha" novamente arrebata a plateia, a exemplo dos filmes citados anteriormente.
Tudo em "Os sonhadores" colabora para que o filme seja uma experiência inesquecível. A começar pela atmosfera de sonho e idealismo que envolve o trio de protagonistas,dos mais belos atores jovens do cinema atual. São eles Eva Green, Louis Garrel e Michael Pitt, que parecem ter sido escolhidos a dedo pelo diretor para dar vida a Isabelle, Theo e Matthew. O cenário são os protestos pelo fechamento da Cinemateca Francesa, em pelo maio de 68, data icônica no calendário ocidental, na qual eles se conhecem. É sobre esse momento efervescente que se debruça a narrativa
de "Os sonhadores", cujo título porta uma ambiguidade instigante.
Matthew é um estadunidense que chega a Paris para estudar, enquanto Theo e Isabelle são gêmeos que moram com os pais na cidade, e mantém uma intimidade maior do que a que existe usualmente entre irmãos.
Ao longo do desenvolvimento do enredo, pode-se inferir que o trio tanto é sonhador porque é eternamente otimista quanto porque vive em um mundo à parte, desprovido de qualquer conexão com a realidade da qual todos devem, ao menos em tese, compartilhar. Entender que tipo de sonhadores são os três, porém, não é o imprescindível neste filme de forte apelo sensual. Ao trancafiar seus protagonistas em um apartamento, no qual exercitam sua paixão pelo cinema de forma intensa, ignorado o mundo lá fora, Bertolucci os desnuda, inclusive literalmente, haja vista as várias cenas de nudez do trio.
O cineasta mexe com o desejo do espectador, manipulando-o, em certa medida, em sequências como a que mostra Theo, Isabelle e Matthew dividindo uma banheira. São ocasiões que exalam um erotismo mesclado a uma inocência quase pueril, já que, apesar de se mostrarem inicialmente a Matthew como libertários, num segundo momento se apresentam como algo conservadores.
Há também um punhado de referências a filmes famosos de todos os tempos, que cinéfilos mais ávidos saberão reconhecer quase de imediato. Estão lá citações a nomes como Marlene Dietrich e Robert Bresson, por meio dos enigmas propostos pelos gêmeos a Matthew. Cúmplice da ação, o espectador também se sente instado a adivinhar o título de cada obra.
Em outras palavras, "Os sonhadores" é um filme absolutamente sensorial, que convida o público a mergulhar num universo permeado por sensualidade e ousadia. Cada fotograma transpira a inquietação de quem quer afirmar sua identidade para o mundo, mesmo que ainda não esteja muito seguro dela. Tal qual os três protagonistas em seu tempo de descobertas.
Tudo em "Os sonhadores" colabora para que o filme seja uma experiência inesquecível. A começar pela atmosfera de sonho e idealismo que envolve o trio de protagonistas,dos mais belos atores jovens do cinema atual. São eles Eva Green, Louis Garrel e Michael Pitt, que parecem ter sido escolhidos a dedo pelo diretor para dar vida a Isabelle, Theo e Matthew. O cenário são os protestos pelo fechamento da Cinemateca Francesa, em pelo maio de 68, data icônica no calendário ocidental, na qual eles se conhecem. É sobre esse momento efervescente que se debruça a narrativa
de "Os sonhadores", cujo título porta uma ambiguidade instigante.
Matthew é um estadunidense que chega a Paris para estudar, enquanto Theo e Isabelle são gêmeos que moram com os pais na cidade, e mantém uma intimidade maior do que a que existe usualmente entre irmãos.
Ao longo do desenvolvimento do enredo, pode-se inferir que o trio tanto é sonhador porque é eternamente otimista quanto porque vive em um mundo à parte, desprovido de qualquer conexão com a realidade da qual todos devem, ao menos em tese, compartilhar. Entender que tipo de sonhadores são os três, porém, não é o imprescindível neste filme de forte apelo sensual. Ao trancafiar seus protagonistas em um apartamento, no qual exercitam sua paixão pelo cinema de forma intensa, ignorado o mundo lá fora, Bertolucci os desnuda, inclusive literalmente, haja vista as várias cenas de nudez do trio.
O cineasta mexe com o desejo do espectador, manipulando-o, em certa medida, em sequências como a que mostra Theo, Isabelle e Matthew dividindo uma banheira. São ocasiões que exalam um erotismo mesclado a uma inocência quase pueril, já que, apesar de se mostrarem inicialmente a Matthew como libertários, num segundo momento se apresentam como algo conservadores.
Há também um punhado de referências a filmes famosos de todos os tempos, que cinéfilos mais ávidos saberão reconhecer quase de imediato. Estão lá citações a nomes como Marlene Dietrich e Robert Bresson, por meio dos enigmas propostos pelos gêmeos a Matthew. Cúmplice da ação, o espectador também se sente instado a adivinhar o título de cada obra.
Em outras palavras, "Os sonhadores" é um filme absolutamente sensorial, que convida o público a mergulhar num universo permeado por sensualidade e ousadia. Cada fotograma transpira a inquietação de quem quer afirmar sua identidade para o mundo, mesmo que ainda não esteja muito seguro dela. Tal qual os três protagonistas em seu tempo de descobertas.
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