3 de ago. de 2012

Kramer vs. Kramer, um eficiente retrato de família


O conceito de família remonta aos tempos bíblicos. Desde que foi criada, a instituição já foi transformada pelo homem de várias maneiras, e o cinema, em seu componente de imitador da realidade, apropriou-se dessas transformações ao longo de sua existência. Kramer vs. Kramer (idem, 1979) é um dos filmes que se debruça sobre essa temática com grande eficiência. Rodado em uma época na qual o divórcio já se encontrava à disposição dos cônjuges insatisfeitos, o longa de Robert Benton mira suas lentes em direção a Ted (Dustin Hoffman) e Joanna Kramer (Meryl Streep). Um dia, ela demonstra todo o seu fastio em estar casada com ele e simplesmente vai embora de casa, alegando que lutou o máximo que podia para evitar que a situação chegasse àquele ponto. A notícia cai como um balde de água fria sobre a cabeça de Ted, que tinha acabado de chegar em casa contente e ansioso para contar à esposa que havia conseguido uma colocação melhor no trabalho.

Com a partida de Joanna, da qual não consegue demovê-la, Ted se vê, de repente, com a obrigação de cuidar de Billy (Justin Henry), o filho do ex-casal. O cotidiano de Ted passa, então, por uma reviravolta, que lhe faz reavaliar suas prioridades e colocar o menino em primeiro lugar no pódio das suas responsabilidades. Ele sempre deu grande importância ao trabalho, a ponto de privar a família de sua presença em momentos cruciais, e essa é uma das razões que Joanna aponta, logo nos primeiros minutos de filme, para deixá-lo. Nesse detalhe da personalidade do protagonista, encontra-se um pequeno clichê que ainda seria bastante explorado pelo cinema nos anos seguintes: o do pai que precisa levar um baque para se dar conta de que a família precisa estar acima de tudo na lista de cuidados de um homem. Seja no drama, seja na comédia, o tema já rendeu filmes como Click (idem, 2006). Entretanto, Benton conduz seu filme de forma honesta e orgânica, sem torná-lo um mero produto industrial cheio de palavrórios sobre o assunto.


O aprendizado de Ted vem na marra, dia após dia, em meio a muitos improvisos e pequenos incidentes diante dos quais ele tem que se virar, como quando o café da manhã que tenta preparar para Billy se torna um desastre ou quando o menino sofre uma queda no parquinho em que costuma brincar. Todas essas lições só se tornam possíveis em virtude da ausência de Joanna, e servem para Ted exercitar o seu amor paternal. Até o dia em que ela volta, dizendo-se arrependida e disposta a recuperar o tempo que perdeu afastada do filho, trazendo-lhe benefícios decorrentes da situação financeira mais confortável que seu trabalho lhe proporciona. O retorno de Joanna pega Ted tão de surpresa quanto a sua partida, e não é nada fácil para aquele pai de família que assumiu o seu lugar encarar a mudança de ideia da ex-mulher. E ambos vão parar diante de um juiz para defender seus respectivos lados e conquistar a guarda do menino, ainda incapaz de decidir com qual dos genitores é melhor estar a maior parte do tempo.

A essa altura, Kramer vs. Kramer ganha traços de filme de tribunal e coloca o espectador em contato com os pontos de vista dos protagonistas para que tome sua decisão particular. Quem está com a razão? O que é realmente melhor para Billy? A dúvida pode surgir mesmo diante do fato de Joanna ter abandonado o seu lar. Afinal, o roteiro do próprio Benton, escrito a partir do romance de Avery Corman, foge de cair na malha fina do maniqueísmo, e apresenta argumentos convincentes para ser favorável a um ou a outro. Recentemente, A separação (Jodaeiye Nader az Simin, 2011), produção israelense premiada com o Oscar de melhor filme estrangeiro, tratou acerca do mesmo assunto com mais habilidade e inquietação. Mas o longa de Benton também exibe muitos aspectos positivos além dos que já foram apontados. Os desempenhos de Hoffman e Streep são outros deles. Ambos defendem seus papéis com intensidade e emoção, tornando difícil apoiar apenas um deles. Ted é o pai de prioridades redimensionadas, ao passo que Joanna é a mãe arrependida de um mau passo. Como conciliar ambas as verdades em prol do bem-estar de Billy? Nesse sentido, o filme se mostra conclusivo em relação ao seu “descendente” oriental, chegando à sua sequência derradeira com um acerto de contas emotivo e sincero entre o ex-casal, em plena coadunância com o espírito que guiou todo o filme até ali.

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