23 de ago. de 2012
As peripécias de um devotado ao humor ou O mundo de Andy
James Eugene Carrey – mais conhecido como Jim Carrey - é dono de um currículo bem fornido de comédias com forte apelo popular, sobretudo as que estrelou na década de 90. Diante da indisposição da quase totalidade da crítica para os filmes do gênero, o ator demorou a ser levado a sério, com o perdão do trocadilho. Somente no final da década ele começou a ser mais respeitado, exatamente quando Milos Forman o recrutou para O mundo de Andy (Man on the moon, 1999), cinebiografia de um obstinado pelo riso que caiu como uma luva para o arsenal de caretas do intérprete, que soube usá-las novamente a seu favor para engendrar um ponto de virada em sua carreira. Entretanto, dessa vez, quem mais se entusiasmou com seu trabalho foi a crítica, visto que as bilheterias não responderam a contento. O filme aborda vários anos da vida desse que foi considerado um dos mais excêntricos artistas do humor, com capacidade para comprar brigas sérias em nome de sua vocação para satirizar a tudo e a todos.
Cinebiografias são uma especialidade de Forman, que, três anos antes, havia dirigido O povo contra Larry Flynt (The people vs. Larry Flynt, 1996) e arrancado o que talvez seja o melhor desempenho da carreira de Woody Harrelson até hoje. Em O mundo de Andy, essa habilidade do realizador é novamente sublinhada desde a sequência inicial, em que o protagonista discorre sobre a dificuldade de se aturá-lo, propondo que o espectador abandone a sessão antes que se arrependa. Trata-se de um monólogo divertidíssimo, que sentencia o quanto Andy não está disposto a sacrificar suas convicções sarcásticas para agradar a quem quer que seja, nem mesmo o público que foi conquistando ao longo de sua ascensão sob a condição de comediante. Seu caminho é trilhado a duras penas, traduzindo-se em um percurso quixotesco em vários sentidos, inclusive pela presença de uma espécie de Sancho Pança, o seu incasável e fidedigno agente George Shapiro, vivido por um Danny DeVito na flor da inspiração. Boa parte dos êxitos alcançados pelo humorista no que se refere a espaço na mídia vem dos esforços contínuos de Shapiro.
Vale ressaltar que Carrey não era a única opção que Forman tinha em mente. Ele chegou a cogitar Edward Norton, com quem já havia trabalhado em seu longa anterior, para o papel. Incapaz de decidir, passou a bola para o estúdio, que bateu o martelo e elegeu Carrey para o personagem, o que se revelou uma escolha bastante acertada, justificável pelo desempenho memorável do ator, devidamente indicado e premiado com o Globo de Ouro de ator cômico. Aliás, O mundo de Andy se firma como uma comédia heterodoxa, cujos frouxos de riso despertados no público advêm de uma série de situações bizarras e surpreendentes. Cada espetáculo de Andy era uma caixinha de surpresas também no que se refere às reações da plateia de seus shows: ele era capaz de provocar risos, lágrimas, brigas e muitos outros tipos de desdobramentos com suas piadas e pantomimas, o que lhe rendeu a antonomásia de gênio da comédia estadunidense. Para o público do filme, cada um desses momentos é fonte de deliciosas gargalhadas, e nem é preciso concordar com a ideia de que Andy foi genial para, no mínimo, simpatizar com a figura.
Entre os coadjuvantes, também se encontram Paul Giamatti, ótimo na pele de Bob Zmuda, o grande parceiro de palco de Andy, capaz de embarcar em todas as suas ideias mirabolantes, fruto de suas idiossincrasias bem-humoradas, que incluem uma simulação épica de sua própria morte. O filme é uma bela oportunidade para conferir Giamatti em um dos papéis anteriores à sua atual zona de conforto interpretativa, iniciada com o superestimado Sideways – Entre umas e outras (Sideways, 2004). Seu tônus dramático estava em dia aqui, ainda que a função básica de seu personagem seja servir de escada para o de Carrey. Além dele, Forman reeditou sua parceria com Courtney Love, dando-lhe o papel da namorada de Andy, ela mesma incapaz de lidar o tempo todo com as mil peripécias do artista. É uma pena que, poucos anos depois, a carreira de atriz de Love tenha entrado em declínio por conta de uma série de escolhas equivocadas que levaram seu nome a figurar em títulos como Encurralada (Trapped, 2002), que não trazem qualquer relevância para o currículo de ninguém.
O alto grau de realismo alcançado pela direção de Forman e pelo roteiro concebido a quatro mãos por Scott Alexander e Larry Karaszewski é decorrente de três anos de uma pesquisa que inclui entrevistas com amigos, familiares e inimigos declarados de Andy. Cada uma delas serviu de contribuição para a feitura do texto, de acabamento meticuloso e – o mais importante – excelente timing cômico. A dupla de roteiristas do filme, aliás, sempre trabalha junta, e são mais dois dos colaboradores que o diretor trouxe de seu filme precedente. Contudo, ele não voltaria a dirigir um longa escrito por ambos, e entraria em um jejum de sete anos, quebrado com Sombras de Goya (Goya’s ghosts, 2006), outro exemplo de sua predileção por retratos biográficos. Ao longo de suas quase duas horas de duração, O mundo de Andy nos faz ver que uma das palavras-chave da vida do comediante era intensidade, sobretudo no tocante ao seu ofício da vida inteira, do qual não abria mão até mesmo quando caberia um ou outro mea culpa. Guardadas as devidas proporções, Sacha Baron Cohen faz algo semelhante a cada vez que promove um de seus filmes de humor negro declarado e não sai de seu personagem. O filme é, enfim, um intenso, apaixonante e comovente retrato acidentado da carreira e da vida de um homem que fez do humor a sua incógnita, despertando gargalhadas entusiásticas (ou não) em seu público sempre atordoado.
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