1 de dez. de 2009

A louca jornada de "A vida marinha com Steve Zissou"

Alguns cineastas são capazes da façanha de impor uma personalidade bastante própria às suas obras. Seus filmes se tornam facilmente reconhecíveis por marcas registradas que a eles ficam associadas, o que é uma qualidade ou um defeito, a depender do ponto de vista ou do gosto do espectador.
Talvez por isso Wes Anderson seja um diretor que divida opiniões. Seus trabalhos estão impregnados de uma visão algo cínica do mundo e da humanidade, sempre de uma maneira nada óbvia. Podem se encaixar em rótulos, mas sempre escapam a eles. Veja-se o caso de "A vida marinha com Steve Zissou", terceiro filme do cineasta. Pouco interessa aqui o enredo sobre o qual o roteiro está baseado, ainda que seja ele a mola propulsora do longa.

O elenco é algo que já depõe a favor da qualidade do filme: protagonizado por Bill Murray, um dos melhores atores em atividade, que vem ladeado por nomes como Anjelica Houston e Cate Blanchett, não se pode esperar nada menos do que ótimo. Na pele do protagonista, Murray faz um trabalho impecável, vivendo um oceanógrafo que perdeu um grande amigo morto por um tubarão numa de suas expedições submarinas. Seu desejo de revanche o move a um retorno às águas do trágico acidente, e com ele vão uma série de tripulantes, entre eles, uma jornalista (Blanchett), um jovem que pode ou não ser seu filho (Owen Wilson) e sua esposa (Houston). São apenas aperitivos da insólita jornada que está por vir.
A cada entrada de um personagem na história, um novo e curioso tipo é apresentado ao público, que tem a chance de se deliciar, já no meio da trama, com uma galeria de seres improváveis. O humor do filme surge dos momentos mais inusitados, e provocam sorrisos de canto de boca, não necessariamente garagalhadas temporárias, como a maioria das comédias (aí está a força dos rótulos) atuais, um apanhado de piadas descerebradas. Cada ator demonstra estar dando o melhor de si para o conjunto da obra, que é magnífica. Cate Blanchett, por exemplo, atuou grávida, depois de aceitar o papel que fora oferecido a Gwyneth Paltrow.

Um dos grandes achados do filme é a maneira com que Anderson concatena as partes da narrativa. É através do personagem de Seu Jorge, que toca canções em seu violão o filme inteiro, e são elas que delineiam os acontecimentos do filme. Versões brasileiras de músicas consagradas que bons observadores e ouvintes atentos reconhecerão certamente. O cantor, aliás, sai-se muito bem em sua função de ator ocasional, incorporando a melancolia irônica característica dos filmes do diretor, transmitida em seu olhar desviado do interlocutor.
A fotografia também é um aspecto que merece ser citado como uma das qualidades do filme. As imagens subaquáticas, com um quê de artificiais, sublinham a proposta de uma estética mambembe, digna de ser apreciada. Entre os elementos que a confirmam, está o uso de um tubarão falso nas sequências em que o tal acidente com o amigo de Zissou é lembrado. Por falar no protagnista, sua caracterização é uma homenagem ao grande Jacques Costeau, mais conhecido oceanógrafo.
Como seu longa precedente, "Os excêntricos Tenembaums", Anderson exercita em "A vida marinha..." seu talento para criar figuras carismáticas e capazes de gerar identificação com o espectador por suas fragilidades e pequenas loucuras. No fundo, sob a verniz da empáfia, escondem-se constatações sobre o bizarro da vida, que não pode ser levada totalmente a sério. Esse olhar acurado se traduz em reflexões sobre as contradições da existência, que marcam qualquer indivíduo em alguma fase de sua vida. Um filme interessado nessas questões, e que ainda proporciona entretenimento, é verdadeiramente uma opção maravilhosa, nas telas de cinema ou nas prateleiras de uma locadora.

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