Nas mãos de grandes diretores, mesmo as pequenas histórias podem ganhar uma dimensão de qualidade sem par. Exatamente como sucede a alguém que se chama Pedro Almodóvar, espanhol que é sinônimo de cinema de bom gosto. Em "Volver" ele mais uma vez destila sua verve dramática na condução de uma trama de predominância do sexo feminino, uma constante em sua obra. Aliás, a filmografia almodovariana passeia por vários estilos, mas sempre com uma base muito forte: as relações entre mães e filhos, mulheres com uma força incrível, entre outros elementos facilmente identificáveis pelo público, e que também são apontados pela crítica.
Rodado em 2006, essa nova obra-prima traz Penélope Cruz num reencontro com Almodóvar, depois de 7 anos de ausência em seus filmes. Foi um grande acerto do cineasta, pois ele deu a atriz um de seus melhores papéis de sua carreira, a intensa Raimunda. Seu drama começa quando a filha, uma adolescente na típica fase de autoafirmação, assassina o pai durante uma forte discussão. O fato é o elemtento desencadeador das reviravoltas do enredo, já que Raimunda se vê obrigada a tomar uma atitude drástica com o intuito de acobertar o crime da filha. A saída encontrada pela personagem é, no mínimo, inusitada.
Do assassinato em diante, ela precisa encontrar uma forma de ganhar dinheiro, e a oportunidade surge quando uma equipe de filmagem vai rodar um filme perto de sua casa. Logo, Raimunda se oferece para cozinhar para todos em troca de pagamento. A jovem viúva encanta os membros da equipe com seu talento culinário, e eles acabam prolongando mais um pouco sua permanência no local em que foram filmar.
Entretanto, outro fato importante ocorre e desmonta uma convicção da personagem: sua mãe, que ela e as irmãs julgavam estar morta, reaparece, somente para sua irmã mais nva, e, depois, para ela também. Inicialmente perturbada com a surpresa, Raimunda decide ajudar a mãe, que está mais viva do que nunca, a retomar sua rotina. Assim, Irene, a mãe morta-viva, começa a trabalhar no salão de beleza montado pela irmã mais nova de Raimunda em sua casa, fazendo-se passar por uma cabeleireira estrangeira.
O reaparecimento de Irene é o começo de um acerto de contas familiar para essas mulheres, que precisam lidar com questões traumáticas do passado, feridas que insistem em não cicatrizar. Sem alternativa, todas são confrontadas o tempo todo com o que fizeram de suas vidas até aquele momento.
Partindo desse argumento que rompe em certa medida a fronteira entre real e fictício, Almodóvar faz mais um filme de cores fortes, porém sóbrias se comparadas às suas produções oitentistas, e de diálogos passionais. Além de, mais uma vez, encher a tela com a presença magnética e vibrante de Cruz, indicada ao Oscar de atriz por sua Raimunda. A cena em que a personagem canta acompanhada de músicos num jantar é simplesmente apaixonante, já que, ali, toda a sua sensualidade se aflora. Se o espectador ainda não havia se deixado levar pelo encanto de Raimunda até então, não segue impassível a ela dessa cena em diante.
O espanhol expõe em "Volver" as suas obsessões, falando da grande força do sexo dito frágil, e brindando o público com passagens de rara beleza. A trilha sonora, a cargo de Alberto Iglesias, é um deleite para os ouvidos.
O filme também traz a figura talentosa de Carmen Maura, habituée do diretor em outros tempos, e que aqui, como as demais mulheres do elenco, é homengeada o tempo todo. A presença pífia dos homens, aliás, é fato recorrente em seus longas, que exaltam a força delas em detrimento da debilidade masculina.
A afetividade fica por conta da ambientação da história em La Mancha, terra natal de Almodóvar, e que, no filme, é constantemente castigada por fortes ventos, que já foram responsáveis por incêndios mortais. Sem ser manipulador, ele comove com uma história saborosamente bem contada, que faz bem ao olhar e à audição, reflexo de um roteiro bem escrito e um elenco que dá o melhor de si. "Volver" prova que a melhora pode vir mesmo com o tempo, tal qual sucede aos vinhos. Aqui, o cinesta mostra um estilo mais refinado e contido, sem abrir mão, porém, do talento. Resta a quem assiste embarcar na narrativa, aliado ao pacto ficcional, suspendendo sua descrença e se deixando comover pelo que vê na tela.
12 de dez. de 2009
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