15 de nov. de 2009

"Uma garota dividida em dois" ou a agonia de querer

Claude Chabrol é um cineasta que sabe das coisas. Veteraníssimo, sua importância para o cinema começa quando ele ainda era um dos membros do corpo de críticos da lendária Cahiers du cinéma, revista francesa ainda hoje reverenciada por amantes da sétima arte. Junto com Godard, Rohmer e Truffaut, ajudou a formar uma geração de cinéfilos, o que qualquer pessoa bem informada sabe muito bem.

Ao longo de uma carreira de mais de 30 anos, Chabrol produziu num ritmo relativamente intenso, se compararmos com outros diretores dados a hiatos mais longos. Recentemente, entregou ao público mais um exemplar de sua obra cheia de passionalidade, suspense e ambiguidade.
Trata-se de "Uma garota dividida em dois", que traz a queridinha do cinema francês atual, Ludivine Sagnier, na pele da personagem-título. Sua divisão decorre da paixão que ela desperta, quase ao mesmo tempo, em dois homens diferentes. Gabrielle, como se chama a jovem, é garota do tempo de uma emissora de TV, e tem plena consciência de sua beleza, e do fascínio que ela exerce sobre a ala masculina. Ela acaba se envolvendo com os dois homens que por ela se apaixonam, e esse triângulo amoroso será a perdição de cada um deles, de uma maneira ou de outra.

O tema do amor tripartido é recorrente no cinema e, por isso mesmo, necessita de um bom acabamento para não soar como mais uma tentativa coxa de dissecar os interstícios das relações amorosas que se constroem nesse caminho tortuoso. Felizmente, Chabrol tem enorme talento para isso, fazendo uma abordagem muitas vezes cínica e despudorada do assunto. Não há nudez explícita dos atores, mas, em várias cenas, a sensualidade é flagrante, exatamente por essa camuflagem.
O cineasta exercita seu olhar sobre a vaidade humana, lançando sua sentença sobre Gabrielle, que se sente cindida pelas diferentes possibilidades de felicidade (ou não) oferecidas por Charles (François Berléand) e Paul (Benoît Magimel). Enquanto um é maduro e capaz de ter várias mulheres ao mesmo tempo, sabendo como lidar com o sexo feminino, o outro é voluntarioso e move céus e terra para ter Gabrielle. Nas entrelinhas, vai se traçando uma guerra de egos entre os candidatos ao coração de Gabrielle, em que, mais do que a conquista de um amor, o que está em jogo é a vitória em uma competição.
Em nenhum momento, Chabrol deixa que a história resvale para o sentimentalismo, e jamais se utiliza do tom maniqueísta. A contraposição entre os dois homens deixa de existir algumas vezes, e se torna justaposição. Ambos têm suas fragilidades, e isso fica claro pelas suas atitudes. Mesmo com seus anos de experiência sobre Paul, Charles fica aturdido pela hipótese de perder Gabrielle para ele. E é nessa trajetória de gato e rato que a narrativa vai se aproximando de um desfecho um tanto trágico, delineado desde muito antes. É aí que reside a veia pessimista de Chabrol, que decreta a inexistência de inocentes quando se trata da paixão. O querer, na perspectiva do filme, pode ser devastador para todos os envolvidos.

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