14 de nov. de 2009

À procura de origens em "Poderosa Afrodite"

É fato incontestável que Woody Allen sabe fazer comédia. Seus filmes estão para o gênero como os de Hithcock estão para o suspense, sem qualquer medo de essa ser uma visão superestimante. Sua visão algo amarga da vida aparece sempre em seus filmes, na maior parte das vezes perpassada pelo humor.

Essas características são, portanto, encontradas facilmente em "Poderosa Afrodite", que, com frequência, enquadram-se entre os trabalhos "menores" de Allen. Puro preconceito. Mesmo numa obra considerada menos inspirada, o diretor consegue entreter e divertir, sem abrir mão da inteligência.
O enredo é simples, como de hábito em Allen: um casal adotou, há alguns anos, um menino. Com o passar do tempo,o casal percebeu que ele tinha uma inteligência acima do normal para sua idade. O pai (Lenny, vivido por Woody Allen), intrigado, decide sair à busca da verdadeira mãe da criança. Acaba chegando a uma prostituta sem a menor classe, a exuberante Linda Ash. Daí para se envolver amorosamente com ela, é um passo, mesmo casado com Amanda (Helena Bonham Carter, demonstrando competência).

Ter em mãos uma história aparentemente banal já é o suficiente para que o espectador embarque num punhado de referências ao longo da trama, principalmente à mitologia grega, com a qual o filme dialoga o tempo todo. Allen usa o recurso de alternar a história central com cenas de um suposto Olimpo, de onde os deuses opinam sobre os rumos tomados pelo protagonista.
Em "Poderosa Afrodite" o sarcasmo está novamente a serviço do roteiro, também de autoria de Allen, marcado também por um estilo bastante loquaz, que exige atenção a cada fala. O Lenny vivido pelo ator é um tipo recorrente em seu cinema: magro, baixinho e desajeitado, sentindo-se desolcado no mundo e, por isso, muito canhestro. Jogando com essa armas, ele é quase infalível em ganhar a plateia, mesmo que haja alguns detratores desse e de outros filmes de sua extensa carreira, iniciada em 1969.
Há quem diga que os melhores exemplares de sua obra se encontram nas décadas de 70 e 80, porém os anos 90 também reservaram ótimas surpresas vindas do diretor.
Em vários momentos, os personagens falam abertamente sobre sexo, principalmente a desenvolta personagem de Mira Sorvino, que levou o Oscar de atriz coadjuvante por seu desempenho. O único senão de Sorvino é sua voz altamente irritante, que faz mal a ouvidos mais sensíveis. Mas é detalhe que se consegue superar lá pela meia hora de filme.
"Poderosa Afrodite" vale pelo tom jocoso com que lida com questões de ordem prática da vida, e também com pequenas neuroses do ser humano. Neurose, aliás, é uma das palavras-chave do universo alleniano, que ele aborda, com grande variabilidade, em inúmeros filmes. Pode ser uma experiência muito interessante se reconhecer na tela a partir de um personagem em busca de sua verdade, ainda que trilhando caminhos tortuosos para isso. Quem nunca se viu atabalhoado em uma estrada que oferece bifurcações, talvez não entenda. Mas parece pouco provável que exista esse indivíduo.

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