O cinema alemão recente tem se mostrado bastante profícuo em seus exemplares. Da safra atual, tem-se bons diretores e atores igualmente ótimos, para contar histórias interessantes de se acompanhar.
No caso de "Edukators", mais do que uma boa história, estão a serviço do espectador um série de outros elementos que fazem assistir ao filme valer a pena. Dirigido por Hans Weingartner, o longa traz a história de Jan (Daniel Brühl), Jule (Julia Jentsch) e Peter (Stipe Erceg), um trio de amigos que não se conforma com aqueles que possuem riquezas demais, segundo sua visão. Eles têm uma maneira um tanto original de demonstrar esse inconformismo: invadem as casas de quem consideram muito
ricos, e deixam suas mensagens de protesto. Uma delas, inclusive, é o título original do filme: "Die Fetten Jahre sind vorbei". Em bom português, "Seus dias de fartura estão contados". Fica claro desde o início da história que os amigos estão empenhados em transmitir uma moral, e subverter o sistema de alguma forma.
Nesse sentido, o filme apresenta um aparentamento com outras obras contemporâneas dele. A principal é "Os sonhadores", já que, no filme de Bertolucci, também há um trio de inconformados. Com a diferença de que, diferente dos jovens de "Edukators". aqui o inconformismo não sobrevive ao desejo.
Voltando ao primeiro filme, Weingartner trata dos sonhos que se desfazem, e das convicções que são jogadas por terra devido ao choque de realidade. Pouco a pouco, é que acontece com a militância política de Jan, Peter e Jule. Numa de suas invasões, Jule esquece um objeto dentro da casa invadida, e os três acabam sequestrando o dono do imóvel, que está chegando ao local no exato momento em que eles retornam para buscar o que foi esquecido. Daí, começa o degringolar da harmonia então presente entre eles.
O diretor joga com a visão de mundo dos personagens, e proporciona momentos de discussão sobre o capitalismo e o socialismo, através dos embates entre os amigos e o empresário que eles sequestram. São essas algumas das passagens mais interessantes de todo o filme. Nota-se que eles passam da inflexibilidade ao relativismo em suas opiniões, e demonstram não serem tão diferentes do homem que condenam inicialmente por sua riqueza "excessiva".
"Edukators" vale tanto pela sua forma quanto pelo seu conteúdo, marcado por bons diálogos, direção de atores eficiente e trilha sonora envolvente. Sinal de que há competência nos noems envolvidos na produção, que foi um grande sucesso em seu país de origem, e que merecia mais visibilidade em nossa terra. Sem dúvida, não é filme que se deva deixar passar despercebido.
30 de nov. de 2009
26 de nov. de 2009
A volta ao início de "Reflexos da inocência"
A estreia de Bailie Walsch na direção de longas-metragens vem engrossar uma lista já composta de muitos nomes. Isso porque, a exemplo de Mark Romanek e Michel Gondry, Walsch é oriundo do universo dos videoclipes. Seus supre-citados predecessores foram felizes em suas incursões no celuloide, e pode-se dizer o mesmo de mais esse estreante.
Reflexos da inocência é protagonizado pelo festejado Daniel Craig, um ator que alterna presenças em filmes arrasa-quarteirão com participações em projetos mais pessoais. O caso do filme de Walsch é o segundo. Na história, Craig dá vida a um ator que vive um dia após o outro sem grandes perspectivas, entregando-se à esbórnia sem se preocupar com sua própria imagem. Seu mundo sofre uma reviravolta com a notícia da morte precoce de um amigo de infância.
A partir daí, desencadeiam-se uma série de recordações para o ator, lembranças essas de um tempo de absluto descompromisso e de descobertas diárias. A câmera de Walsch captura pequenos e singulares momentos em que a felicidade do protagonista parecia estar ao alcance de suas mãos, e que ele não soube aproveitar devidamente.
É sobre esse gosto de passado que se articula a narrativa do filme, que mais parece saído de um baú de confissões. A trilha sonora é um ponto positivo do longa, trazendo canções que embalam os romances vividos pelo personagem principal. Aliás, é bom que se diga que, apesar do nome de Craig aparecer enorme no cartaz do filme, Reflexos da inocência é mesmo de Harry Eden, que faz Joe, nome do protagonista, em sua fase jovem, e se sai muito bem.
Alguns elementos na premissa do filme podem fazê-lo soar melodramático: a perda da ingenuidade com uma mulher mais velha, um amor que se perdeu no tempo, a tragédia que abalou uma comunidade. Mas o interessante em uma história nunca é apenas seu enredo, e sim sua forma de condução. É nesse quesito que o longa ganha mais pontos a seu favor. Reflexos da inocência se encaixa no rol de filmes sobre memória, e merece um espaço entre os inesqucíveis, logo em sua abertura emocionante, ao som de uma música intensa e triste, que resume o que está por vir nas sequências seguintes. Histórias simples, belas e despojadas também devem ter sua vez.
Reflexos da inocência é protagonizado pelo festejado Daniel Craig, um ator que alterna presenças em filmes arrasa-quarteirão com participações em projetos mais pessoais. O caso do filme de Walsch é o segundo. Na história, Craig dá vida a um ator que vive um dia após o outro sem grandes perspectivas, entregando-se à esbórnia sem se preocupar com sua própria imagem. Seu mundo sofre uma reviravolta com a notícia da morte precoce de um amigo de infância.
A partir daí, desencadeiam-se uma série de recordações para o ator, lembranças essas de um tempo de absluto descompromisso e de descobertas diárias. A câmera de Walsch captura pequenos e singulares momentos em que a felicidade do protagonista parecia estar ao alcance de suas mãos, e que ele não soube aproveitar devidamente.
É sobre esse gosto de passado que se articula a narrativa do filme, que mais parece saído de um baú de confissões. A trilha sonora é um ponto positivo do longa, trazendo canções que embalam os romances vividos pelo personagem principal. Aliás, é bom que se diga que, apesar do nome de Craig aparecer enorme no cartaz do filme, Reflexos da inocência é mesmo de Harry Eden, que faz Joe, nome do protagonista, em sua fase jovem, e se sai muito bem.
Alguns elementos na premissa do filme podem fazê-lo soar melodramático: a perda da ingenuidade com uma mulher mais velha, um amor que se perdeu no tempo, a tragédia que abalou uma comunidade. Mas o interessante em uma história nunca é apenas seu enredo, e sim sua forma de condução. É nesse quesito que o longa ganha mais pontos a seu favor. Reflexos da inocência se encaixa no rol de filmes sobre memória, e merece um espaço entre os inesqucíveis, logo em sua abertura emocionante, ao som de uma música intensa e triste, que resume o que está por vir nas sequências seguintes. Histórias simples, belas e despojadas também devem ter sua vez.
15 de nov. de 2009
"Uma garota dividida em dois" ou a agonia de querer
Claude Chabrol é um cineasta que sabe das coisas. Veteraníssimo, sua importância para o cinema começa quando ele ainda era um dos membros do corpo de críticos da lendária Cahiers du cinéma, revista francesa ainda hoje reverenciada por amantes da sétima arte. Junto com Godard, Rohmer e Truffaut, ajudou a formar uma geração de cinéfilos, o que qualquer pessoa bem informada sabe muito bem.
Ao longo de uma carreira de mais de 30 anos, Chabrol produziu num ritmo relativamente intenso, se compararmos com outros diretores dados a hiatos mais longos. Recentemente, entregou ao público mais um exemplar de sua obra cheia de passionalidade, suspense e ambiguidade.
Trata-se de "Uma garota dividida em dois", que traz a queridinha do cinema francês atual, Ludivine Sagnier, na pele da personagem-título. Sua divisão decorre da paixão que ela desperta, quase ao mesmo tempo, em dois homens diferentes. Gabrielle, como se chama a jovem, é garota do tempo de uma emissora de TV, e tem plena consciência de sua beleza, e do fascínio que ela exerce sobre a ala masculina. Ela acaba se envolvendo com os dois homens que por ela se apaixonam, e esse triângulo amoroso será a perdição de cada um deles, de uma maneira ou de outra.
O tema do amor tripartido é recorrente no cinema e, por isso mesmo, necessita de um bom acabamento para não soar como mais uma tentativa coxa de dissecar os interstícios das relações amorosas que se constroem nesse caminho tortuoso. Felizmente, Chabrol tem enorme talento para isso, fazendo uma abordagem muitas vezes cínica e despudorada do assunto. Não há nudez explícita dos atores, mas, em várias cenas, a sensualidade é flagrante, exatamente por essa camuflagem.
O cineasta exercita seu olhar sobre a vaidade humana, lançando sua sentença sobre Gabrielle, que se sente cindida pelas diferentes possibilidades de felicidade (ou não) oferecidas por Charles (François Berléand) e Paul (Benoît Magimel). Enquanto um é maduro e capaz de ter várias mulheres ao mesmo tempo, sabendo como lidar com o sexo feminino, o outro é voluntarioso e move céus e terra para ter Gabrielle. Nas entrelinhas, vai se traçando uma guerra de egos entre os candidatos ao coração de Gabrielle, em que, mais do que a conquista de um amor, o que está em jogo é a vitória em uma competição.
Em nenhum momento, Chabrol deixa que a história resvale para o sentimentalismo, e jamais se utiliza do tom maniqueísta. A contraposição entre os dois homens deixa de existir algumas vezes, e se torna justaposição. Ambos têm suas fragilidades, e isso fica claro pelas suas atitudes. Mesmo com seus anos de experiência sobre Paul, Charles fica aturdido pela hipótese de perder Gabrielle para ele. E é nessa trajetória de gato e rato que a narrativa vai se aproximando de um desfecho um tanto trágico, delineado desde muito antes. É aí que reside a veia pessimista de Chabrol, que decreta a inexistência de inocentes quando se trata da paixão. O querer, na perspectiva do filme, pode ser devastador para todos os envolvidos.
Ao longo de uma carreira de mais de 30 anos, Chabrol produziu num ritmo relativamente intenso, se compararmos com outros diretores dados a hiatos mais longos. Recentemente, entregou ao público mais um exemplar de sua obra cheia de passionalidade, suspense e ambiguidade.
Trata-se de "Uma garota dividida em dois", que traz a queridinha do cinema francês atual, Ludivine Sagnier, na pele da personagem-título. Sua divisão decorre da paixão que ela desperta, quase ao mesmo tempo, em dois homens diferentes. Gabrielle, como se chama a jovem, é garota do tempo de uma emissora de TV, e tem plena consciência de sua beleza, e do fascínio que ela exerce sobre a ala masculina. Ela acaba se envolvendo com os dois homens que por ela se apaixonam, e esse triângulo amoroso será a perdição de cada um deles, de uma maneira ou de outra.
O tema do amor tripartido é recorrente no cinema e, por isso mesmo, necessita de um bom acabamento para não soar como mais uma tentativa coxa de dissecar os interstícios das relações amorosas que se constroem nesse caminho tortuoso. Felizmente, Chabrol tem enorme talento para isso, fazendo uma abordagem muitas vezes cínica e despudorada do assunto. Não há nudez explícita dos atores, mas, em várias cenas, a sensualidade é flagrante, exatamente por essa camuflagem.
O cineasta exercita seu olhar sobre a vaidade humana, lançando sua sentença sobre Gabrielle, que se sente cindida pelas diferentes possibilidades de felicidade (ou não) oferecidas por Charles (François Berléand) e Paul (Benoît Magimel). Enquanto um é maduro e capaz de ter várias mulheres ao mesmo tempo, sabendo como lidar com o sexo feminino, o outro é voluntarioso e move céus e terra para ter Gabrielle. Nas entrelinhas, vai se traçando uma guerra de egos entre os candidatos ao coração de Gabrielle, em que, mais do que a conquista de um amor, o que está em jogo é a vitória em uma competição.
Em nenhum momento, Chabrol deixa que a história resvale para o sentimentalismo, e jamais se utiliza do tom maniqueísta. A contraposição entre os dois homens deixa de existir algumas vezes, e se torna justaposição. Ambos têm suas fragilidades, e isso fica claro pelas suas atitudes. Mesmo com seus anos de experiência sobre Paul, Charles fica aturdido pela hipótese de perder Gabrielle para ele. E é nessa trajetória de gato e rato que a narrativa vai se aproximando de um desfecho um tanto trágico, delineado desde muito antes. É aí que reside a veia pessimista de Chabrol, que decreta a inexistência de inocentes quando se trata da paixão. O querer, na perspectiva do filme, pode ser devastador para todos os envolvidos.
14 de nov. de 2009
À procura de origens em "Poderosa Afrodite"
É fato incontestável que Woody Allen sabe fazer comédia. Seus filmes estão para o gênero como os de Hithcock estão para o suspense, sem qualquer medo de essa ser uma visão superestimante. Sua visão algo amarga da vida aparece sempre em seus filmes, na maior parte das vezes perpassada pelo humor.
Essas características são, portanto, encontradas facilmente em "Poderosa Afrodite", que, com frequência, enquadram-se entre os trabalhos "menores" de Allen. Puro preconceito. Mesmo numa obra considerada menos inspirada, o diretor consegue entreter e divertir, sem abrir mão da inteligência.
O enredo é simples, como de hábito em Allen: um casal adotou, há alguns anos, um menino. Com o passar do tempo,o casal percebeu que ele tinha uma inteligência acima do normal para sua idade. O pai (Lenny, vivido por Woody Allen), intrigado, decide sair à busca da verdadeira mãe da criança. Acaba chegando a uma prostituta sem a menor classe, a exuberante Linda Ash. Daí para se envolver amorosamente com ela, é um passo, mesmo casado com Amanda (Helena Bonham Carter, demonstrando competência).
Ter em mãos uma história aparentemente banal já é o suficiente para que o espectador embarque num punhado de referências ao longo da trama, principalmente à mitologia grega, com a qual o filme dialoga o tempo todo. Allen usa o recurso de alternar a história central com cenas de um suposto Olimpo, de onde os deuses opinam sobre os rumos tomados pelo protagonista.
Em "Poderosa Afrodite" o sarcasmo está novamente a serviço do roteiro, também de autoria de Allen, marcado também por um estilo bastante loquaz, que exige atenção a cada fala. O Lenny vivido pelo ator é um tipo recorrente em seu cinema: magro, baixinho e desajeitado, sentindo-se desolcado no mundo e, por isso, muito canhestro. Jogando com essa armas, ele é quase infalível em ganhar a plateia, mesmo que haja alguns detratores desse e de outros filmes de sua extensa carreira, iniciada em 1969.
Há quem diga que os melhores exemplares de sua obra se encontram nas décadas de 70 e 80, porém os anos 90 também reservaram ótimas surpresas vindas do diretor.
Em vários momentos, os personagens falam abertamente sobre sexo, principalmente a desenvolta personagem de Mira Sorvino, que levou o Oscar de atriz coadjuvante por seu desempenho. O único senão de Sorvino é sua voz altamente irritante, que faz mal a ouvidos mais sensíveis. Mas é detalhe que se consegue superar lá pela meia hora de filme.
"Poderosa Afrodite" vale pelo tom jocoso com que lida com questões de ordem prática da vida, e também com pequenas neuroses do ser humano. Neurose, aliás, é uma das palavras-chave do universo alleniano, que ele aborda, com grande variabilidade, em inúmeros filmes. Pode ser uma experiência muito interessante se reconhecer na tela a partir de um personagem em busca de sua verdade, ainda que trilhando caminhos tortuosos para isso. Quem nunca se viu atabalhoado em uma estrada que oferece bifurcações, talvez não entenda. Mas parece pouco provável que exista esse indivíduo.
Essas características são, portanto, encontradas facilmente em "Poderosa Afrodite", que, com frequência, enquadram-se entre os trabalhos "menores" de Allen. Puro preconceito. Mesmo numa obra considerada menos inspirada, o diretor consegue entreter e divertir, sem abrir mão da inteligência.
O enredo é simples, como de hábito em Allen: um casal adotou, há alguns anos, um menino. Com o passar do tempo,o casal percebeu que ele tinha uma inteligência acima do normal para sua idade. O pai (Lenny, vivido por Woody Allen), intrigado, decide sair à busca da verdadeira mãe da criança. Acaba chegando a uma prostituta sem a menor classe, a exuberante Linda Ash. Daí para se envolver amorosamente com ela, é um passo, mesmo casado com Amanda (Helena Bonham Carter, demonstrando competência).
Ter em mãos uma história aparentemente banal já é o suficiente para que o espectador embarque num punhado de referências ao longo da trama, principalmente à mitologia grega, com a qual o filme dialoga o tempo todo. Allen usa o recurso de alternar a história central com cenas de um suposto Olimpo, de onde os deuses opinam sobre os rumos tomados pelo protagonista.
Em "Poderosa Afrodite" o sarcasmo está novamente a serviço do roteiro, também de autoria de Allen, marcado também por um estilo bastante loquaz, que exige atenção a cada fala. O Lenny vivido pelo ator é um tipo recorrente em seu cinema: magro, baixinho e desajeitado, sentindo-se desolcado no mundo e, por isso, muito canhestro. Jogando com essa armas, ele é quase infalível em ganhar a plateia, mesmo que haja alguns detratores desse e de outros filmes de sua extensa carreira, iniciada em 1969.
Há quem diga que os melhores exemplares de sua obra se encontram nas décadas de 70 e 80, porém os anos 90 também reservaram ótimas surpresas vindas do diretor.
Em vários momentos, os personagens falam abertamente sobre sexo, principalmente a desenvolta personagem de Mira Sorvino, que levou o Oscar de atriz coadjuvante por seu desempenho. O único senão de Sorvino é sua voz altamente irritante, que faz mal a ouvidos mais sensíveis. Mas é detalhe que se consegue superar lá pela meia hora de filme.
"Poderosa Afrodite" vale pelo tom jocoso com que lida com questões de ordem prática da vida, e também com pequenas neuroses do ser humano. Neurose, aliás, é uma das palavras-chave do universo alleniano, que ele aborda, com grande variabilidade, em inúmeros filmes. Pode ser uma experiência muito interessante se reconhecer na tela a partir de um personagem em busca de sua verdade, ainda que trilhando caminhos tortuosos para isso. Quem nunca se viu atabalhoado em uma estrada que oferece bifurcações, talvez não entenda. Mas parece pouco provável que exista esse indivíduo.
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