15 de out. de 2012
Copacabana me engana, uma crônica da paixão na cidade
Copacabana me engana (idem, 1968) conta a história de Marquinhos (Carlo Mossy), um bom vivant da Zona Sul carioca que, levando a vida na flauta, adia seus compromissos com a realidade de um jovem adulto. No primeiro plano do filme, o protagonista caminha pelas ruas do bairro-título ao som de Baby, eternizada na voz aguda de Gal Costa, cujos versos aparentemente ingênuos dão conta de denunciar um estado de coisas desordenado que provém da submissão da nação brasileira a um regime ditatorial, iniciado poucos anos antes do momento em que se passa a trama. Aos poucos, o diretor Antônio Carlos da Fontoura situa o espectador no cotidiano frívolo de Marquinhos, que aprecia muito a esbórnia com os amigos e é daqueles que se deixa influenciar pelo que eles pensam e dizem que deve ser feito, como conquistar uma bela mulher. Aquela pressão típica dos companheiros, com vistas a garantir a masculinidade do rapaz sobre o qual eles a aplicam, parece não estar circunscrita a um tempo específico.
A principal fonte de deleite feminino de Marquinhos e seus amigos é o apartamento em frente ao dele. Da janela, eles podem observar os hábitos de belas vizinhas e torcer para vê-las se despindo diante dos seus olhos ávidos de mulheres formosas. Numa dessas espiadas, ele flagra Irene (Odete Lara), um tanto mais velha do ele e com uma sensualidade quase irresponsável que balança suas estruturas de jovem aprendiz de amante. Ele também a encontra em uma lanchonete, e ganha o incentivo dos amigos para se aproximar dela, o que acaba fazendo de um modo um tanto desastrado, mas eficaz. O envolvimento entre os dois não tarda a se concretizar e, durante um certo período, a vida de Marquinhos muda, fazendo-o adotar um comportamento menos imaturo, já que vai experimentando algumas benesses do amor.
Em pouco mais de 90 minutos, Copacabana me engana sintetiza com desenvoltura uma juventude sem perspectiva, que caminha a esmo pelas ruas da cidade e vive de improvisos, como se o amanhã fosse um tempo distante demais para ser necessário se preocupar com ele. Tanto Marquinhos quanto Irene têm suas vidas atravessadas pelo tédio e pela incompletude, e um relacionamento amoroso entre eles não dá conta de preencher essas lacunas interiores que eles carregam consigo. O romance entre ambos acaba sendo apenas um ensaio mal desenvolvido, tornando-o comparável à paixão desbotada dos personagens principais de A aventura (L’avventura, 1960), um dos olhares melancólicos de Michelangelo Antonioni para a apatia do homem moderno. Quando o vazio de Marquinhos se une ao vazio de Irene, o resultado só pode ser um abismo profundo de carências e pendências que eles precisam resolver consigo mesmos antes de mais nada, o que só comprova que ninguém pode funcionar como alternativa ao tédio de ninguém. Um relacionamento sólido não se constrói à base de escapismo.
Por muitos indícios, Copacabana me engana é um filme do seu tempo, mas consegue ultrapassá-lo ao abordar as questões citadas anteriormente. Por outro lado, ele se mostra como um típico filme brasileiro sessentista ao exibir um país ainda distante do prestígio perante as nações estrangeiras, enxergado como um reduto perene de desfiles carnavalescos e mulatas sestrosas. Sem falar na classe média de ecos provincianos que se evidencia no comportamento e nas falas dos pais de Marquinhos, que lutam para que o filho encontre um rumo na vida e siga o exemplo do irmão mais velho, interpretado por Cláudio Marzo. Com isso, o filme alcança um bom equilíbrio entre a comédia de costumes e o romance desengonçado que pende para o drama sem perder a leveza. Estamos diante de um crônica da paixão na cidade, dessas que acontecem em todo lugar todos os dias e que não chegarão a se tornar notícia no dia seguinte, a não ser que deem origem a um crime passional. O preto e branco da fotografia assinada por Affonso Beato e Jorge Bodansky, por sua vez, responde por boa parte do charme do filme, de alma indiscutivelmente carioca.
Existem traços autobiográficos em Copacabana me engana, devidamente pensados por Fontoura, também responsável pelo roteiro e que fazia a sua estreia em ambas as funções aqui. Paulista nascido em 1939, ele próprio se mudou para o bairro quando criança e cruzou algumas de suas referências pessoais com outras do lugar, engendrando uma apaixonante visão sobre a importância de ter paixão pela vida. Some-se a isso o ótimo trabalho de montagem de Mário Carneiro e a remissão de ideias cinemanovistas e temos quase uma pequena gema, daquelas que, muitas vezes só são descobertas após um certo esforço de garimpo. É uma pena que ele mesmo, com o passar dos anos, tenha se tornado um diretor de expressão pálida, com títulos pouco empolgantes em sua filmografia. Os personagens do longa são gente absolutamente comum, que se preocupa em ser correspondida no amor mas também com o preço da gasolina e do pãozinho, porque a vida tem seu lado pragmático que não pode ser perdido de vista. A mímese criativa de Fontoura, portanto, é hábil, e digna de ser conferida.
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Cinema
26 de set. de 2012
Jornadas de rumos previsíveis e desinteressantes em 360
O cruzamento de histórias paralelas compreende um nicho cinematográfico explorado com certa recorrência. Diretores de diferentes calibres já expuseram seus retratos de encontros e acasos envolvendo diversos personagens, e há exemplares bons e ruins desse que pode ser considerado um subgênero da sétima arte. Que o diga Alejandro González-Iñárritu, cuja filmografia é quase inteiramente composta de títulos que congregam múltiplas tramas. Fernando Meirelles também decidiu fazer o seu filme-painel, e o resultado, infelizmente, revela-se limítrofe entre o erro e o acerto. Com sua colagem de narrativas, 360 (idem, 2012) é um palco espaçoso para uma série de coincidências forçadas e personagens revestidos de um incômodo verniz a maior parte do tempo. Aos poucos, o roteiro de Peter Morgan, do ótimo A rainha (The queen, 2006) vai apresentando seus tipos e revelando as suas fragilidades, em um crescente preocupante de rumos óbvios.
Tudo começa com uma sessão de fotos que, de longe, remete a Closer – Perto demais (Closer, 2004), especificamente na cena em que Anna (Julia Roberts) fotografa Dan (Jude Law) em seu estúdio. Aqui, um cafetão de quinta categoria esquadrinha os olhares e demais expressões faciais de uma jovem que abraçou a prostituição como meio para ganhar a vida. Ela protege a irmã mais nova com unhas e dentes afiados, disposta a impedir que a garota se perca como já aconteceu com ela. No entanto, não hesita em ir para a cama com aquele homem asqueroso que lhe promete mais dinheiro em troca de relações sexuais. Mais adiante, a teia que a relaciona a outros personagens começa a ser tecida, e se chega a Michael (Jude Law, novamente ele), um homem em viagem de negócios que não se furta de contratar os serviços da tal jovem, mas tem o azar de encontrar com um colega de trabalho (Moritz Bleibtreu) que o está pressionando a aceitar uma proposta com a qual ele não concorda. A prostituta o espera e, na tentativa de se mostrar um homem íntegro e fiel a toda prova, ele discursa hipocritamente para o homem, dizendo-se terminantemente contra a ideia de sair com garotas de programa.
Daí para a frente, Meirelles continua levando sua câmera supostamente escrutinadora para passear em outros espaços, apresentando Rose (Rachel Weisz), a esposa de Michael, que também está longe de ser um poço de fidelidade e mantém um caso com Rui (Juliano Cazarré), brasileiro que vive há alguns anos em Londres e, por sua vez, está traindo a namorada Laura (Maria Flor) com Rose. A moça acaba descobrindo o erro cometido por ele e decide retornar ao Brasil. Em seu caminho no aeroporto, acaba conhecendo um senhor (Anthony Hopkins) que está à procura da filha há muito tempo, sempre sem sucesso, e Tyler McGregor (Ben Foster), um maníaco sexual recém-saído da cadeia que ainda não demonstra segurança suficiente para andar pelas ruas sem o risco de uma recaída. Com o primeiro, Laura ensaia os passos de uma relação filial, mas não a desenvolve porque seus caminhos se separam no momento em que ela decide conhecer melhor Tyler. Chega a irritar a ingenuidade da garota diante dele, que se esforça para não dar vazão ao seu instinto sexual deturpado enquanto está na sua companhia. Ela chega a ficar a sós com ele, que procura resistir bravamente aos próprios impulsos, em uma agonia quase animalesca. Flor, aliás, reafirma, com esse papel, a sua condição de atriz limitada, causando a sensação de que está sempre fazendo mais do mesmo. Ainda sobra espaço para um traficante de pessoas (Mark Ivanir), que está na cola da tal jovem prostituta apresentada lá no começo da história.
Espargidos em cenários multinacionais que incluem cidades como Londres, Bratislava, Paris e Viena, os personagens de 360 têm poucas chances de se mostrar para além de uma construção de tipos chapados. É de se espantar o quanto o elenco rende um pouco mais do que medianamente na pele de personagens de contornos esquemáticos e perfis rasos, que não são aprofundados principalmente por conta do excesso de tramas, constatação que soa óbvia diante da ambição do diretor e do roteirista em abraçar tantas realidades diferentes em tão pouco tempo. Mesmo os atores que costumam oferecer interpretações grandiosas, por vezes, beiram a canastrice aqui, como é o caso de Hopkins, cujas escolhas oscilam entre bons e maus papéis. Até mesmo Weisz, que ganhou o seu Oscar de melhor atriz coadjuvante na primeira vez em que foi dirigida por Meirelles, em O jardineiro fiel (The constant gardener, 2005) está constrangedora em cena a maior parte do tempo, a ponto de se parecer com uma boneca de porcelana em seu visual e em suas atitudes.
O diretor vinha do acerto de Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008) quando decidiu dirigir 360, e se esperava que ele pudesse alcançar novamente um bom resultado. Afinal, seu currículo também apresenta Cidade de Deus (idem, 2002), grande projetor da internacionalização do cinema brasileiro que “arrancou” da Academia de Hollywood quatro indicações ao Oscar, ainda que não tenha trazido nenhuma estatueta para casa. Para quem carrega tão bons trabalhos pregressos, esse aqui é frustrante. Conjugar diferentes narrativas e administrar bem muitos personagens é possível. Era exatamente o que Robert Altman adorava fazer e ele sempre acertava, sobretudo quando cruzou as trajetórias de 22 pessoas em Short cuts – Cenas da vida (Short cuts, 1993), costurando uma série de tramas originalmente literárias. Nesse sentido, talvez o maior problema de 360, no fundo, nem seja o excesso de personagens, mas sim a maneira preguiçosa como eles são desenvolvidos na tela e o uso de acasos forçados, resultando em uma tentativa coxa de superposição de recortes urbanos contemporâneos. E, de propósito ou não, a grande ironia que depõe contra o filme está em seu próprio título. Afinal, o grande problema de se dar um giro de 360 graus é retornar exatamente ao lugar de onde se partiu.
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Cinema
18 de set. de 2012
Intocáveis, uma adorável ode à amizade
Corações sensíveis certamente aproveitarão muito melhor uma sessão de Intocáveis (Intouchables, 2011), segundo longa-metragem da dupla Olivier Nakache e Eric Toledano que se tornou uma das grandes bilheterias francesas de 2011. Sua trama é centrada nas figuras carismáticas de Philippe (François Cluzet) e Driss (Omar Sy), típicos sujeitos de personalidades antagônicas que se aproximam cada vez mais à medida que convivem. Na primeira sequência do filme, eles estão a toda velocidade pelas estradas parisienses madrugada adentro, sem medo de serem felizes. No volante, Driss comanda a corrida desenfreada, até que os policiais rodoviários passam a ficar no seu encalço, o que faz os dois terem uma brilhante ideia – que só é esclarecida como simulação pouco depois. Ao serem parados pelas autoridades, Driss explica que Philippe está tendo um derrame cerebral, daí o automóvel a tantos quilõmetros por hora. Convencidos, os policiais passam de seus acusadores a seus escoltadores, fazendo de Driss o ganhador da aposta que havia feito com Philippe antes de parar o carro.
À essa primeira sequência, seguem-se vários outros momentos da história desses dois amigos, contados de modo retroativo. Driss e Philippe se conhecem depois que o primeiro vai à casa do segundo – um milionário – para pedir uma assinatura que lhe garanta mais um período de seguro desemprego. Philippe está em uma série de entrevistas para contratar um novo enfermeiro que o acompanhe em jornada integral, algo estritamente necessário, dada a sua condição de tetraplégico. Ao irromper na sala de onde Philippe convoca os candidatos, Driss demonstra toda a sua audácia diante do futuro amigo, dizendo-se cansado de esperar pela sua vez na fila. E ainda encontra tempo para flertar com a assistente de Philippe, uma ruiva estonteante, diante da qual é fácil ficar embasbacado. Nasce ali o primeiro contato entre os protagonistas, que, mais tarde, serão unha e carne.
É certo que Intocáveis lança mão de alguns lugares comuns na construção de sua narrativa, sobretudo por colocar dois homens que não têm nada em comum e, aos poucos, vão se tornando amigos inseparáveis. Essa premissa é recorrente no cinema, com leves variações – às vezes, a birra inicial é entre um homem e uma mulher, que tempos depois, estarão irremediavelmente apaixonados. Entretanto, os clichês, por si só, não devem afugentar o espectador nesse filme. Nakache e Toledano sabem utilizá-los a favor da história, e a conduzem de modo irresistível, celebrando as diferenças de personalidade que temperam tão bem as relações interpessoais. E o melhor de tudo é que eles sabem dirigir as sequências entre os personagens com muita sensibilidade, um elemento primordial no trato com o outro. Pouco a pouco, Driss e Philippe vão reconhecendo a importância um do outro, e ultrapassando aquele velho chavão do abismo social que acentua diferenças. Tanto um quanto o outro tem várias de suas resistências quebradas pela amizade, experimentando momentos e sensações que lhes tocam de alguma forma, contrariando cada vez mais o título da obra.
Nesse sentido, Intocáveis é um filme bastante abrangente, que cativa nos seus primeiros instantes e discute valores fundamentais para uma boa convivência e um relacionamento amigável duradouro. No seu transcorrer, o filme traz à tona carinho, respeito, admiração, cuidado, apreço, bondade, sinceridade e tantas outras virtudes que, vez por outra, parecem confinadas a um espaço-tempo distante dos nossos dias. E todos esses sentimentos vêm entremeados de boas doses de riso, o que torna o longa uma eficiente comédia dramática sobre a importância de se permitir ter sensações. Para além de qualquer interdição milenarmente imposta ao relacionamento de amizade entre dois homens, Intocáveis assegura que é possível desenvolver o amor fraternal entre dois amigos, sem qualquer receio ou vergonha. Amigos devem se livrar de todas as bobagens que possam amarrar seu contato. Por que não abraçar e beijar quando se tem vontade? Por que deixar passar a oportunidade de declarar ao seu amigo o quanto ele é importante para você, seja com palavras, seja com gestos? Por que cultivar uma “distância de segurança” toda vez que você encontra seu bom amigo para evitar “suspeitas” da parte dele?
A mensagem do longa de Nakache e Toledano é simples e extremamente atual, não se restringindo apenas ao campo da amizade: ela se desdobra e encampa diversos tipos de relações inter e intrapessoais. E quem consegue resistir ao carisma de Cluzet e Sy? Os dois conquistaram uma maravilhosa empatia em cena e entregam interpretações preciosas, colocando seus corações em cada sequência em que contracenam. As regras de etiqueta de Philippe vão sucumbindo aos poucos à invasão de efusividade proposta por Driss, que, por sua vez, também vai exercitando o seu olhar para prazeres mais sofisticados. Boas amizades são assim: uma ponte para o mundo. Você apresenta o seu mundo a mim e eu apresento o meu mundo a você. Eventuais discordâncias, e até algumas discussões, fazem parte desse caminho. O importante é nunca perder de vista aqueles valores tão importantes comentados anteriormente. São eles que sedimentam o contato e tornam a presença do outro tão desejada. Pontuado por momentos adoráveis, Intocáveis renova a tese de que bons amigos valem ouro – sem se ater a questões étnicas, que até caberiam na história – e convida a deixar todas as reservas e simplesmente sentir.
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Cinema
11 de set. de 2012
Prosseguindo com a vida o amor em Antoine e Colette
Ao longo de cinco filmes, François Truffaut colocou nas telas um personagem que viria a ser conhecido como o seu alter ego, o multifacetado Antoine Doinel, interpretado com grande desenvoltura por Jean-Pierre Léaud, o seu ator-assinatura. O ponto de partida é o inesquecível Os incompreendidos (Les 400 coups, 1959), em que conhecemos o cotidiano do protagonista quando ele ainda é um adolescente problemático que cabula aulas e se refugia no cinema. Alguns anos se passam, porém, e temos Antoine e Colette (Antoine et Colette, 1962), o segundo tomo dessa espécie de pentalogia sobre um sujeito absolutamente comum e seus problemas banais. Trata-se, na verdade, de um curta-metragem que compõe uma coletânea intitulada O amor aos 20 anos, que conta com visões de diferentes cineastas sobre o sentimento nessa idade tão marcante e mágica. São cinco filmetes no total, cada qual com sua trama independente.
No caso de Antoine e Colette, o foco está nos primeiros passos de independência ensaiados por Antoine, que está longe da casa dos pais e mora em um modesto apartamento no subúrbio parisiense. Sua rotina é das mais básicas, e compreende o trabalho em uma loja de discos e eventuais encantamentos e conquistas amorosas. Por seu caminho, passam lindas garotas que aceleram seus batimentos cardíacos, e eles experimenta vários momentos de paixão à primeira vista, ao menos na sua concepção. E, assim, temos uma série de pequenos improvisos comuns às vidas de todos. Afinal, qualquer um precisa de trabalho e de amor, e alguns precisam dos dois na mesma proporção. Não há nada de mirabolante ou surreal no curta. Truffaut prefere expor a vida em pequenos instantâneos, demonstrando que sua fama de cineasta do amor não é descabida. Quase sempre, ele preferiu flagrar as ocasiões simples e as situações mais prosaicas, sobretudo nos films estrelados por seu alter ego. E aqui, ele dá conta dessa percurso singelo em pouco mais de meia hora, provando que poucos minutos podem bastar para se contar uma boa história.
Para espectadores apaixonados por histórias mínimas e direções sem grandes estripulias visuais, Antoine e Colette é um adorável presente, cuja beleza nasce justamente dos instantes de simplicidade. É como se não houvesse muito a se dizer a respeito do filme, apenas a se sentir. Antoine é um garoto como qualquer outro, principalmente como outros de sua geração e de seu tempo: ama, se engana, procura, se decepciona, insiste, recomeça. É tão jovem mas, ao mesmo tempo, já é capaz de perceber que, na vida, os sentimentos podem ser tão instáveis quanto um punhado de moléculas, que jamais sossegam e se dispõem em configurações distintas a todo momento. Para ele, o amor vem, normalmente, assim: como um golpe de vento, que revira os objetos da casa-coração e desestabiliza o que parecia estar colocado em seu devido lugar. Não é de se estranhar, portanto, o seu sorriso bobo e a sua fixidez diante da visão de uma bela jovem em uma de suas idas habituais ao cinema. Nem importa o filme naquele momento. Apenas os cabelos negros e brilhantes da garota, que tira seu fôlego e sua concentração mesmo diante de sua paixão pela sétima arte. Parece ou não com algo que muitos de nós já vivemos ao menos uma vez?
O tal emprego de Antoine na loja de discos serve como uma grande deixa para a execução de lindas canções que, naturalmente, falam de amor, esse sentimento do qual tanto se fala e que, muitas vezes, basta ser vivido e sentido, como sentimento que é. E Colette? A outra personagem-título, vivida por Marie-France Pisier, é a grande paixão de Antoine nesse curta, mas não demonstra interesse no rapaz como homem, restringindo a relação entre eles à amizade. Em certos casos, é assim: a amizade é tudo o que se tem, há que se conformar com ela. Mas quem disse que ele se conforma? Seus esforços são sempre na direção do coração de Colette, que ele procura degelar para o amor e, assim, ser correspondido. A péssima e velha ideia do amor unilateral... Quem nunca amou sem ser amado talvez não possa entender o drama de Antoine, mas ele está lá, impresso na inquietude do personagem, sempre à procura de pequenos momentos para viver ao lado de Colette, e colecioná-los para manter emoldurados em quadros que, posteriormente, ocuparão lugar de destaque nas paredes de sua jovem memória de aprendiz de amante.
A personagem que fragmenta o coração de Antoine reaparece em O amor em fuga (L’amour em fuite, 1979), o último filme da série, que traz o protagonista à volta com alguns ônus e bônus da idade adulta. Sua intérprete, por sua vez, é uma das talentosas atrizes cuja carreira emergiu quase simultaneamente com a Nouvelle Vague, de que Truffaut fazia parte, vale lembrar. Atualmente, ela segue distante dos papéis no cinema, e seu trabalho mais recente é o da mãe dos personagens principais de Em Paris (Dans Paris, 2006), uma das homenagens de Christophe Honoré justamente à Nouvelle Vague. Na pele de Colette, ela invade a tela com uma beleza hipnótica, que fustiga os sentimentos de Antoine e o faz viver seu primeiro grande sofrimento amoroso – tantos outros viriam pela frente. Mas a vida amorosa do jovem não é feita somente de desencontros: ele também vive, ao longo de sua trajetória, alguns imbróglios, umas paixonites efêmeras e romances arrebatadores. Colette acaba sendo um desses desencontros, muito importante como experiência na arte de amar. E nós, como espectadores, acabamos um pouco cúmplices de Antoine e nos identificamos, em alguma medida, com seus movimentos, intenções e atitudes, inscritas em um filme tão curto quanto intenso e cruelmente belo.
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Cinema
27 de ago. de 2012
Humor genuinamente divertido em Um assaltante bem trapalhão
Celebrado por entusiastas fiéis na contemporaneidade, Woody Allen galgou o primeiro degrau de uma carreira profícua há mais de quarenta anos. Nascia com Um assaltante bem trapalhão (Take the money and run, 1969) um realizador exímio, de capacidade admirável para conceber retratos apurados de pessoas e fatos inusitados inseridos no cotidiano. Nessa estreia, ele apostou em piadas rápidas e eficientes, uma clara contribuição dos anos precedentes em que poliu sua verve cômica nos palcos, como um dos precursores do stand-up comedy que foi. A trama do filme gira em torno de Virgil Starkwell (o próprio Allen), um ladrão sem qualquer talento para exercer seu ofício. Sua história é narrada no melhor estilo mockumentary, que ele voltaria adotar outras duas vezes, a saber: em Zelig (idem, 1983) e Poucas e boas (Sweet and lowdown, 1999). Com isso, tudo sugere que o protagonista realmente tenha existido e acaba por deixar o longa com um gostinho mais divertido.
O título em um português é um tanto infeliz, mas tem lá a sua cota de pertinência. Afinal, os roubos de Virgil são sempre frustrados, devido a circunstâncias diversas que, ora o impedem de concluí-los, ora não permitem que ele escape impunemente do local do delito. E essas dificuldades têm potencial para gerar risadas deliciosas no espectador, que se vê diante de um filme curto e fluido, ainda com poucas marcas autorais que viriam a se multiplicar e desenvolver ao longo dos anos. É possível afirmar que esse seja um filme despretensioso e descompromissado, de um estética semelhante aos trabalhos da década seguinte de Allen, como Bananas (idem, 1971). Por outro lado, é possível notar que a argúcia do diretor já estava presente em Um assaltante bem trapalhão, sobretudo nas falas do narrador onisciente que pontua os passos da trajetória errática de Virgil e tece comentários nem sempre positivos a respeito dele. É como se Allen estivesse plantando as primeiras sementes do que viria a ser o seu cinema, e as regasse com um timing cômico que anda raro nos dias de hoje.
Virgil pode ser analisado como o protótipo do sujeito deslocado e em dificuldades amorosas que Allen refinaria ao longo de sua carreira, normalmente sendo interpretado por ele mesmo e que viria a ser considerado como o seu alter ego – para muitos, aliás, aquele seria o próprio cineasta, o que ele já fez questão de desmentir em entrevistas, e que também é um dos argumentos que seus detratores utilizam com demasiada frequência, chamando-o egocêntrico. Entre uma e outra tentativa de roubo, esse sujeito desencaixado de certas convenções sociais passa temporadas na cadeia, e só pensa em novas possibilidades de acertar com um novo crime. E, enquanto não o vemos se dar mal mais uma vez, conhecemos um pouco mais de sua vida e personalidade através dos depoimentos “colhidos” para o filme, sobretudo os de seus pais, hilariamente disfarçados por conta da vergonha que sentem do filho. A mãe tenta contemporizar e defender Virgil, dizendo que, apesar dos pesares, trata-se de um bom rapaz, enquanto o pai demonstra sua indignação por ter tentado colocar Deus no coração do filho e não ter obtido sucesso.
É bem verdade que a entrada de Virgil para o mundo do crime deriva diretamente de seu complexo de inferioridade, desenvolvido desde a infância, em sequências que o mostram ainda como um garotinho ruivo e de óculos, sempre em fuga e desejoso de ser aceito. Trata-se de mais um indício das futuras recorrências allenianas: a leitura (algo) psicanalítica de um personagem que, (quase) inevitavelmente, desemboca em traumas e eventos dos primeiros anos de vida. Para seus admiradores, é um exercício bastante interessante e produtivo buscar essas referências ao longo do filme, e elas se tornam mais claras para quem já tiver conferido previamente um ou mais filmes seguintes do diretor, que permitem a adoção de parâmetros de comparação. Entretanto, Um assaltante bem trapalhão dispensa pré-requisitos, mesmo porque é a obra inaugural de Allen, o qual entraria em um ritmo de produção de tirar o fôlego poucos anos mais tarde, que se traduz no lançamento de um filme por ano desde o início da década de 80, mais precisamente com Sonhos eróticos de uma noite de verão (A midsummer night's sex comedy, 1982). De lá para cá, surgiram inúmeros trabalhos que conquistaram público e crítica, embora ele nunca tenha se firmado como uma unanimidade: opiniões heterogêneas a respeito de qualquer coisa sempre existirão.
Allen teria estreado como diretor, segundo alguns, três anos antes com O que há, tigresa? (What's Up, Tiger Lily?, 1966), mas é difícil falar em direção para esse filme quando, na verdade, ele apenas redublou as falas dos personagens, tendo concebido um roteiro juntamente com Senkichi Taniguchi. Portanto, Um assaltante bem trapalhão é que acaba por atender às prerrogativas daquilo que se pode chamar de filme próprio de um diretor, sendo muito mais sensato apontá-lo como sua estreia no celuloide. Entre as curiosidades relativas ao filme, está o fato de a data de nascimento de Virgil ser a mesma de Allen: 1 de dezembro de 1935, o que leva o personagem a ter seus 34 anos. Nessa idade, sobrava disposição no cineasta para a comédia física, e ele se desdobrou em várias cenas de correria e perseguições, muitas delas bastante divertidas – a sequência em que ele tenta assaltar uma loja de animais e sai correndo de lá com um macaco atrás dele é um achado do humor nonsense. Com o tempo, ele abandonaria a interpretação de personagens que exigissem muito de sua envergadura física, preferindo os tipos hipocondríacos e com ataques de pânico. Outro detalhe interessante dos bastidores é que Allen decidiu dirigir o filme por medo que as filmagens se tornassem caóticas como as de Cassino Royale (idem, 1966). Assim, ele teria o controle da produção e nasceria aqui um cineasta de olhar clínico, bom piadista, verborrágico, cheio de autorreferências e vários ingredientes que o fariam conquistar um séquito de entusiastas leais.
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Cinema
23 de ago. de 2012
As peripécias de um devotado ao humor ou O mundo de Andy
James Eugene Carrey – mais conhecido como Jim Carrey - é dono de um currículo bem fornido de comédias com forte apelo popular, sobretudo as que estrelou na década de 90. Diante da indisposição da quase totalidade da crítica para os filmes do gênero, o ator demorou a ser levado a sério, com o perdão do trocadilho. Somente no final da década ele começou a ser mais respeitado, exatamente quando Milos Forman o recrutou para O mundo de Andy (Man on the moon, 1999), cinebiografia de um obstinado pelo riso que caiu como uma luva para o arsenal de caretas do intérprete, que soube usá-las novamente a seu favor para engendrar um ponto de virada em sua carreira. Entretanto, dessa vez, quem mais se entusiasmou com seu trabalho foi a crítica, visto que as bilheterias não responderam a contento. O filme aborda vários anos da vida desse que foi considerado um dos mais excêntricos artistas do humor, com capacidade para comprar brigas sérias em nome de sua vocação para satirizar a tudo e a todos.
Cinebiografias são uma especialidade de Forman, que, três anos antes, havia dirigido O povo contra Larry Flynt (The people vs. Larry Flynt, 1996) e arrancado o que talvez seja o melhor desempenho da carreira de Woody Harrelson até hoje. Em O mundo de Andy, essa habilidade do realizador é novamente sublinhada desde a sequência inicial, em que o protagonista discorre sobre a dificuldade de se aturá-lo, propondo que o espectador abandone a sessão antes que se arrependa. Trata-se de um monólogo divertidíssimo, que sentencia o quanto Andy não está disposto a sacrificar suas convicções sarcásticas para agradar a quem quer que seja, nem mesmo o público que foi conquistando ao longo de sua ascensão sob a condição de comediante. Seu caminho é trilhado a duras penas, traduzindo-se em um percurso quixotesco em vários sentidos, inclusive pela presença de uma espécie de Sancho Pança, o seu incasável e fidedigno agente George Shapiro, vivido por um Danny DeVito na flor da inspiração. Boa parte dos êxitos alcançados pelo humorista no que se refere a espaço na mídia vem dos esforços contínuos de Shapiro.
Vale ressaltar que Carrey não era a única opção que Forman tinha em mente. Ele chegou a cogitar Edward Norton, com quem já havia trabalhado em seu longa anterior, para o papel. Incapaz de decidir, passou a bola para o estúdio, que bateu o martelo e elegeu Carrey para o personagem, o que se revelou uma escolha bastante acertada, justificável pelo desempenho memorável do ator, devidamente indicado e premiado com o Globo de Ouro de ator cômico. Aliás, O mundo de Andy se firma como uma comédia heterodoxa, cujos frouxos de riso despertados no público advêm de uma série de situações bizarras e surpreendentes. Cada espetáculo de Andy era uma caixinha de surpresas também no que se refere às reações da plateia de seus shows: ele era capaz de provocar risos, lágrimas, brigas e muitos outros tipos de desdobramentos com suas piadas e pantomimas, o que lhe rendeu a antonomásia de gênio da comédia estadunidense. Para o público do filme, cada um desses momentos é fonte de deliciosas gargalhadas, e nem é preciso concordar com a ideia de que Andy foi genial para, no mínimo, simpatizar com a figura.
Entre os coadjuvantes, também se encontram Paul Giamatti, ótimo na pele de Bob Zmuda, o grande parceiro de palco de Andy, capaz de embarcar em todas as suas ideias mirabolantes, fruto de suas idiossincrasias bem-humoradas, que incluem uma simulação épica de sua própria morte. O filme é uma bela oportunidade para conferir Giamatti em um dos papéis anteriores à sua atual zona de conforto interpretativa, iniciada com o superestimado Sideways – Entre umas e outras (Sideways, 2004). Seu tônus dramático estava em dia aqui, ainda que a função básica de seu personagem seja servir de escada para o de Carrey. Além dele, Forman reeditou sua parceria com Courtney Love, dando-lhe o papel da namorada de Andy, ela mesma incapaz de lidar o tempo todo com as mil peripécias do artista. É uma pena que, poucos anos depois, a carreira de atriz de Love tenha entrado em declínio por conta de uma série de escolhas equivocadas que levaram seu nome a figurar em títulos como Encurralada (Trapped, 2002), que não trazem qualquer relevância para o currículo de ninguém.
O alto grau de realismo alcançado pela direção de Forman e pelo roteiro concebido a quatro mãos por Scott Alexander e Larry Karaszewski é decorrente de três anos de uma pesquisa que inclui entrevistas com amigos, familiares e inimigos declarados de Andy. Cada uma delas serviu de contribuição para a feitura do texto, de acabamento meticuloso e – o mais importante – excelente timing cômico. A dupla de roteiristas do filme, aliás, sempre trabalha junta, e são mais dois dos colaboradores que o diretor trouxe de seu filme precedente. Contudo, ele não voltaria a dirigir um longa escrito por ambos, e entraria em um jejum de sete anos, quebrado com Sombras de Goya (Goya’s ghosts, 2006), outro exemplo de sua predileção por retratos biográficos. Ao longo de suas quase duas horas de duração, O mundo de Andy nos faz ver que uma das palavras-chave da vida do comediante era intensidade, sobretudo no tocante ao seu ofício da vida inteira, do qual não abria mão até mesmo quando caberia um ou outro mea culpa. Guardadas as devidas proporções, Sacha Baron Cohen faz algo semelhante a cada vez que promove um de seus filmes de humor negro declarado e não sai de seu personagem. O filme é, enfim, um intenso, apaixonante e comovente retrato acidentado da carreira e da vida de um homem que fez do humor a sua incógnita, despertando gargalhadas entusiásticas (ou não) em seu público sempre atordoado.
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15 de ago. de 2012
Efeitos da contemplação retratados em Blow-up – Depois daquele beijo
Depois de concluir o seu triunvirato de filmes sobre a incomunicabilidade e filmar um epílogo estupefaciente para eles, Michelangelo Antonioni partiu para a Inglaterra, onde concebeu Blow-up – Depois daquele beijo (Blow-up, 1996), mais um estudo profundo dos efeitos da contemplação levada a altos graus. Não se deixe enganar pelo subtítulo nacional “sedutor”: ele não acrescenta nada à narrativa; antes, serve para confundir o público, que pode ser levado a esperar uma história de amor cujo marco inicial é puro romance. Na verdade, o cineasta direciona o seu olhar para Thomas (David Hemmings), um fotógrafo de moda que leva a vida na maciota, transitando pelo mundinho artístico da Londres de seu tempo. Dono de uma postura algo lânguida, ele só sai de sua apatia quando se vê na necessidade de ser rude com as modelos que fotografa, as quais trata como meros seres passíveis de foco e enquadramento para suas lentes.
Toda a trama do filme transcorre em um pequeno arco de tempo, uma das especialidades de Antonioni, haja vista a sua proposta em títulos como A noite (La notte, 1961) e O eclipse (L’eclisse, 1962). Em um único dia, Thomas passa por uma manifestação de jovens que defendem a liberdade – espécie de precursores do que viria a ser conhecido poucos anos depois como flower power -, cumpre sua agenda de compromissos de trabalho – uma sessão de fotos para um livro de arte - e testemunha o enlace amoroso de um casal que se encontrava furtivamente em um parque. Sempre atento a detalhes, ele clica alguns momentos desse casal, até que sua presença é notada por Jane (Vanessa Redgrave), a mulher, que não gosta nada de saber que está sendo fotografada por aquele desconhecido. As fotos tiradas por Thomas são uma arma perigosa para os amantes, e ela insiste em ter as imagens, o que ele nega peremptoriamente.
Mais tarde, ele se dá conta de um detalhe crucial presente na foto, o qual decide investigar a fundo por conta própria, e esse é o nó da narrativa do longa. A sua base está no conto de Julio Cortázar, escritor cuja prosa se revela incômoda e permeada por aspectos um tanto bizarros que constam do próprio cotidiano. Bebendo diretamente dessa fonte, Antonioni faz uma exegese do olhar, envolvendo o filme com uma atmosfera ebúrnea e altamente contemplativa, que pode ter um efeito sonífero para alguns espectadores: são os famigerados tempos mortos, que, aqui, têm toda a relevância. O andamento lento da trama é ditado pela dificuldade de Thomas em desvendar o mistério da foto ao mesmo tempo em que lida com procura de Jane, que não desiste de ter nas mãos as provas de sua infidelidade, que nunca é declarada, mas sempre sugerida. Dessa característica de Blow-up – Depois daquele beijo, nasce sua beleza e seu magnetismo oscilante.
Também é interessante notar que, exatamente 15 anos depois, outro diretor se valeu de uma premissa semelhante para um filme: foi Brian De Palma, que, ao filmar Um tiro na noite (Blow out, 1981), estabeleceu um diálogo muito interessante não apenas com a obra hitchcockiana, mas também com esse trabalho de Antonioni. A diferença mais imediata entre ambos, porém, é que o foco de De Palma está nos sons, e não nas imagens. De qualquer maneira, o longa em questão é um pouco menos inspirado que os anteriores do italiano. Coincidentemente, é o seu primeiro filme rodado em língua inglesa e filmado em parte fora de seu país de origem, e também conquistou um bom retorno financeiro nas bilheterias, chegando a um faturamento quase 20 vezes maior que o seu orçamento. A crítica da época louvou a ousadia do filme, que, com seu sucesso comercial, cooperou com o processo de libertação de Hollywood de sua “lascívia puritana”, nas palavras daquele tempo. Nada que hoje possa realmente surpreender nossa visão, porém. Ainda assim, houve quem o vislumbrasse como uma obra seminal, comparável a títulos como Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941). Se se trata de um exagero, fica por conta de cada um dizer após ver o filme.
Subjetividades à parte, o fato é que Blow-up – Depois daquele beijo representou uma mudança de ares na carreira de Antonioni, que deixou de lado boa parte da introspecção flagrante de seus filmes anteriores para abraçar uma estética mais vibrante e jovial, por assim dizer. Ainda que tenha investido novamente em uma conjuntura de contemplação, aqui há espaço para arroubos visuais e sonoros que não se encontravam antes em sua obra, o que, para o bem ou para o mal, demonstra a sua versatilidade. Para efeitos de comparação, o filme está para Antonioni como Ponto final (Match point, 2005) está para Woody Allen e, curiosamente, ambos partiram para o mesmo país ao engendrar sopros de renovação para suas respectivas filmografias em seus respectivos tempos. No caso do filme do italiano, o que mais depõe contra ele é a sua mornidão, que pode levar até mesmo ao desvio dos olhos da tela em alguns instantes por pura falta de interesse. É como se a languidez que havia funcionado tão bem com os protagonistas da Trilogia da Incomunicabilidade incomodasse de outra maneira aqui. Ainda assim, estamos diante de um bom filme, que consegue nos remover da indiferença com sua pulsação lenta e seus ingrediente enigmáticos.
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