26 de set. de 2012

Jornadas de rumos previsíveis e desinteressantes em 360


O cruzamento de histórias paralelas compreende um nicho cinematográfico explorado com certa recorrência. Diretores de diferentes calibres já expuseram seus retratos de encontros e acasos envolvendo diversos personagens, e há exemplares bons e ruins desse que pode ser considerado um subgênero da sétima arte. Que o diga Alejandro González-Iñárritu, cuja filmografia é quase inteiramente composta de títulos que congregam múltiplas tramas. Fernando Meirelles também decidiu fazer o seu filme-painel, e o resultado, infelizmente, revela-se limítrofe entre o erro e o acerto. Com sua colagem de narrativas, 360 (idem, 2012) é um palco espaçoso para uma série de coincidências forçadas e personagens revestidos de um incômodo verniz a maior parte do tempo. Aos poucos, o roteiro de Peter Morgan, do ótimo A rainha (The queen, 2006) vai apresentando seus tipos e revelando as suas fragilidades, em um crescente preocupante de rumos óbvios.

Tudo começa com uma sessão de fotos que, de longe, remete a Closer – Perto demais (Closer, 2004), especificamente na cena em que Anna (Julia Roberts) fotografa Dan (Jude Law) em seu estúdio. Aqui, um cafetão de quinta categoria esquadrinha os olhares e demais expressões faciais de uma jovem que abraçou a prostituição como meio para ganhar a vida. Ela protege a irmã mais nova com unhas e dentes afiados, disposta a impedir que a garota se perca como já aconteceu com ela. No entanto, não hesita em ir para a cama com aquele homem asqueroso que lhe promete mais dinheiro em troca de relações sexuais. Mais adiante, a teia que a relaciona a outros personagens começa a ser tecida, e se chega a Michael (Jude Law, novamente ele), um homem em viagem de negócios que não se furta de contratar os serviços da tal jovem, mas tem o azar de encontrar com um colega de trabalho (Moritz Bleibtreu) que o está pressionando a aceitar uma proposta com a qual ele não concorda. A prostituta o espera e, na tentativa de se mostrar um homem íntegro e fiel a toda prova, ele discursa hipocritamente para o homem, dizendo-se terminantemente contra a ideia de sair com garotas de programa.

Daí para a frente, Meirelles continua levando sua câmera supostamente escrutinadora para passear em outros espaços, apresentando Rose (Rachel Weisz), a esposa de Michael, que também está longe de ser um poço de fidelidade e mantém um caso com Rui (Juliano Cazarré), brasileiro que vive há alguns anos em Londres e, por sua vez, está traindo a namorada Laura (Maria Flor) com Rose. A moça acaba descobrindo o erro cometido por ele e decide retornar ao Brasil. Em seu caminho no aeroporto, acaba conhecendo um senhor (Anthony Hopkins) que está à procura da filha há muito tempo, sempre sem sucesso, e Tyler McGregor (Ben Foster), um maníaco sexual recém-saído da cadeia que ainda não demonstra segurança suficiente para andar pelas ruas sem o risco de uma recaída. Com o primeiro, Laura ensaia os passos de uma relação filial, mas não a desenvolve porque seus caminhos se separam no momento em que ela decide conhecer melhor Tyler. Chega a irritar a ingenuidade da garota diante dele, que se esforça para não dar vazão ao seu instinto sexual deturpado enquanto está na sua companhia. Ela chega a ficar a sós com ele, que procura resistir bravamente aos próprios impulsos, em uma agonia quase animalesca. Flor, aliás, reafirma, com esse papel, a sua condição de atriz limitada, causando a sensação de que está sempre fazendo mais do mesmo. Ainda sobra espaço para um traficante de pessoas (Mark Ivanir), que está na cola da tal jovem prostituta apresentada lá no começo da história.


Espargidos em cenários multinacionais que incluem cidades como Londres, Bratislava, Paris e Viena, os personagens de 360 têm poucas chances de se mostrar para além de uma construção de tipos chapados. É de se espantar o quanto o elenco rende um pouco mais do que medianamente na pele de personagens de contornos esquemáticos e perfis rasos, que não são aprofundados principalmente por conta do excesso de tramas, constatação que soa óbvia diante da ambição do diretor e do roteirista em abraçar tantas realidades diferentes em tão pouco tempo. Mesmo os atores que costumam oferecer interpretações grandiosas, por vezes, beiram a canastrice aqui, como é o caso de Hopkins, cujas escolhas oscilam entre bons e maus papéis. Até mesmo Weisz, que ganhou o seu Oscar de melhor atriz coadjuvante na primeira vez em que foi dirigida por Meirelles, em O jardineiro fiel (The constant gardener, 2005) está constrangedora em cena a maior parte do tempo, a ponto de se parecer com uma boneca de porcelana em seu visual e em suas atitudes.

O diretor vinha do acerto de Ensaio sobre a cegueira (Blindness, 2008) quando decidiu dirigir 360, e se esperava que ele pudesse alcançar novamente um bom resultado. Afinal, seu currículo também apresenta Cidade de Deus (idem, 2002), grande projetor da internacionalização do cinema brasileiro que “arrancou” da Academia de Hollywood quatro indicações ao Oscar, ainda que não tenha trazido nenhuma estatueta para casa. Para quem carrega tão bons trabalhos pregressos, esse aqui é frustrante. Conjugar diferentes narrativas e administrar bem muitos personagens é possível. Era exatamente o que Robert Altman adorava fazer e ele sempre acertava, sobretudo quando cruzou as trajetórias de 22 pessoas em Short cuts – Cenas da vida (Short cuts, 1993), costurando uma série de tramas originalmente literárias. Nesse sentido, talvez o maior problema de 360, no fundo, nem seja o excesso de personagens, mas sim a maneira preguiçosa como eles são desenvolvidos na tela e o uso de acasos forçados, resultando em uma tentativa coxa de superposição de recortes urbanos contemporâneos. E, de propósito ou não, a grande ironia que depõe contra o filme está em seu próprio título. Afinal, o grande problema de se dar um giro de 360 graus é retornar exatamente ao lugar de onde se partiu.

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