11 de set. de 2012

Prosseguindo com a vida o amor em Antoine e Colette


Ao longo de cinco filmes, François Truffaut colocou nas telas um personagem que viria a ser conhecido como o seu alter ego, o multifacetado Antoine Doinel, interpretado com grande desenvoltura por Jean-Pierre Léaud, o seu ator-assinatura. O ponto de partida é o inesquecível Os incompreendidos (Les 400 coups, 1959), em que conhecemos o cotidiano do protagonista quando ele ainda é um adolescente problemático que cabula aulas e se refugia no cinema. Alguns anos se passam, porém, e temos Antoine e Colette (Antoine et Colette, 1962), o segundo tomo dessa espécie de pentalogia sobre um sujeito absolutamente comum e seus problemas banais. Trata-se, na verdade, de um curta-metragem que compõe uma coletânea intitulada O amor aos 20 anos, que conta com visões de diferentes cineastas sobre o sentimento nessa idade tão marcante e mágica. São cinco filmetes no total, cada qual com sua trama independente.

No caso de Antoine e Colette, o foco está nos primeiros passos de independência ensaiados por Antoine, que está longe da casa dos pais e mora em um modesto apartamento no subúrbio parisiense. Sua rotina é das mais básicas, e compreende o trabalho em uma loja de discos e eventuais encantamentos e conquistas amorosas. Por seu caminho, passam lindas garotas que aceleram seus batimentos cardíacos, e eles experimenta vários momentos de paixão à primeira vista, ao menos na sua concepção. E, assim, temos uma série de pequenos improvisos comuns às vidas de todos. Afinal, qualquer um precisa de trabalho e de amor, e alguns precisam dos dois na mesma proporção. Não há nada de mirabolante ou surreal no curta. Truffaut prefere expor a vida em pequenos instantâneos, demonstrando que sua fama de cineasta do amor não é descabida. Quase sempre, ele preferiu flagrar as ocasiões simples e as situações mais prosaicas, sobretudo nos films estrelados por seu alter ego. E aqui, ele dá conta dessa percurso singelo em pouco mais de meia hora, provando que poucos minutos podem bastar para se contar uma boa história.

Para espectadores apaixonados por histórias mínimas e direções sem grandes estripulias visuais, Antoine e Colette é um adorável presente, cuja beleza nasce justamente dos instantes de simplicidade. É como se não houvesse muito a se dizer a respeito do filme, apenas a se sentir. Antoine é um garoto como qualquer outro, principalmente como outros de sua geração e de seu tempo: ama, se engana, procura, se decepciona, insiste, recomeça. É tão jovem mas, ao mesmo tempo, já é capaz de perceber que, na vida, os sentimentos podem ser tão instáveis quanto um punhado de moléculas, que jamais sossegam e se dispõem em configurações distintas a todo momento. Para ele, o amor vem, normalmente, assim: como um golpe de vento, que revira os objetos da casa-coração e desestabiliza o que parecia estar colocado em seu devido lugar. Não é de se estranhar, portanto, o seu sorriso bobo e a sua fixidez diante da visão de uma bela jovem em uma de suas idas habituais ao cinema. Nem importa o filme naquele momento. Apenas os cabelos negros e brilhantes da garota, que tira seu fôlego e sua concentração mesmo diante de sua paixão pela sétima arte. Parece ou não com algo que muitos de nós já vivemos ao menos uma vez?


O tal emprego de Antoine na loja de discos serve como uma grande deixa para a execução de lindas canções que, naturalmente, falam de amor, esse sentimento do qual tanto se fala e que, muitas vezes, basta ser vivido e sentido, como sentimento que é. E Colette? A outra personagem-título, vivida por Marie-France Pisier, é a grande paixão de Antoine nesse curta, mas não demonstra interesse no rapaz como homem, restringindo a relação entre eles à amizade. Em certos casos, é assim: a amizade é tudo o que se tem, há que se conformar com ela. Mas quem disse que ele se conforma? Seus esforços são sempre na direção do coração de Colette, que ele procura degelar para o amor e, assim, ser correspondido. A péssima e velha ideia do amor unilateral... Quem nunca amou sem ser amado talvez não possa entender o drama de Antoine, mas ele está lá, impresso na inquietude do personagem, sempre à procura de pequenos momentos para viver ao lado de Colette, e colecioná-los para manter emoldurados em quadros que, posteriormente, ocuparão lugar de destaque nas paredes de sua jovem memória de aprendiz de amante.

A personagem que fragmenta o coração de Antoine reaparece em O amor em fuga (L’amour em fuite, 1979), o último filme da série, que traz o protagonista à volta com alguns ônus e bônus da idade adulta. Sua intérprete, por sua vez, é uma das talentosas atrizes cuja carreira emergiu quase simultaneamente com a Nouvelle Vague, de que Truffaut fazia parte, vale lembrar. Atualmente, ela segue distante dos papéis no cinema, e seu trabalho mais recente é o da mãe dos personagens principais de Em Paris (Dans Paris, 2006), uma das homenagens de Christophe Honoré justamente à Nouvelle Vague. Na pele de Colette, ela invade a tela com uma beleza hipnótica, que fustiga os sentimentos de Antoine e o faz viver seu primeiro grande sofrimento amoroso – tantos outros viriam pela frente. Mas a vida amorosa do jovem não é feita somente de desencontros: ele também vive, ao longo de sua trajetória, alguns imbróglios, umas paixonites efêmeras e romances arrebatadores. Colette acaba sendo um desses desencontros, muito importante como experiência na arte de amar. E nós, como espectadores, acabamos um pouco cúmplices de Antoine e nos identificamos, em alguma medida, com seus movimentos, intenções e atitudes, inscritas em um filme tão curto quanto intenso e cruelmente belo.

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