28 de mai. de 2012
Sete dias com Marilyn, a reencarnação de um mito
Não é nenhum exagero dizer que a alma de Sete dias com Marilyn (My week with Marilyn, 2011) reside na presença vibrante de Michelle Williams interpretando o papel-título. A atriz, nascida em Montana, é um adorável furacão em cena, e demonstra capacidade total de galvanizar o mito Marilyn Monroe, que ecoa pelo ambiente cinematográfico há várias décadas. Entretanto, o que se vê a seu respeito no filme de Simon Curtis é filtrado e edulcorado pelo olhar de encanto de Colin Clark (Eddie Redmayne), que lutou com unhas e dentes por uma chance no clubinho fechado das estrelas e grandes produtores. Demonstrando ousadia e perseverança, ele foi atrás do emprego que tanto desejava, e conseguiu se tornar assistente de produção durante as filmagens de O príncipe encantado (The prince and the show girl, 1957), em que Marilyn dividiu a cena com o lendário Laurence Olivier. O que se acompanha no filme é o recorte temporal da semana mais importante de Clark na companhia da estrela, e que resultou em seu livro de memórias, sobre o qual a película se alicerça.
Como se trata de uma das atrizes mais cultuadas da história do cinema, não necessariamente por conta de seus dotes interpretativos, Sete dias com Marilyn
apresenta, quase inevitavelmente, ares de tributo à artista. Cabe a Williams emprestar seu corpo e sua voz para dar vida a ela, e embevecer o público com um dos trabalhos de composição mais bem elaborados de 2011. A disputa no Oscar, aliás, foi acirrada: ela concorreu com feras como Glenn Close, no papel de sua vida em Albert Nobbs (idem, 2011) e Meryl Streep, irrepreensível em A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011). Em um ano tão cheio de boas atrizes no páreo como foi esse, haveria que se cogitar a hipótese de a Academia lançar um pódio e premiar mais atrizes entre as indicadas. Por outro lado, não é somente um Oscar que assegura a qualidade de uma interpretação: quanto a isso não restam dúvidas. Williams é uma atriz que vem demonstrando segurança e versatilidade a cada novo trabalho. Dito isso, seu Oscar de atuação é apenas uma questão de tempo, e ela ter concorrido em 2012 com outras atrizes de alto escalão foi o seu azar.
A construção narrativa de Sete dias com Marilyn é um tanto previsível, diga-se de passagem, o que se justifica, em parte pelo seu argumento. Sabemos que o sonho, em algum momento, será dissolvido. A proposta trazida à tona por Curtis é examinar de perto o fascínio que a diva exercia sobre Colin, e o quanto o olhar do então rapaz está comprometido pelo indiscutível sex appeal da estrela, cuja porção atriz era das mais instintivas e admiráveis, conforme o próprio Laurence Olivier afirma depois de colocar os olhos em seu trabalho no filme em que contracenaram e ele a dirigu. Esse é o outro lado da moeda do filme de Curtis: apresentar os bastidores tumultuados das filmagens de O príncipe encantado. Boa parte dos problemas com o filme se deveram à personalidade instável e extremamente complexa de Marilyn, que resultou em sucessivos atrasos para as cenas e na necessidade constante de repetição de tomadas. Ela se desconcentrava, sentia-se insegura diante da responsabilidade da personagem e enervava Olivier, assertivamente interpretado pelo ótimo Brannagh, também devidamente contemplado com uma indicação à estatueta dourada. A relação dos dois no set se mostrou cheia de altos e baixos e, nesse sentido, Colin representou um elo importante entre a atriz e toda a equipe. Com ele, Marilyn parecia muito à vontade, e isso só ajudou a mexer mais com o coração do jovem.
É compreensível o embasbacamento do rapaz com Marilyn. A estrela é uma das mais atemporais do cinema e, inevitavelmente, volta-se à sua intérprete para comentar a respeito da força de Sete dias com Marilyn. Williams tinha certos obstáculos à sua composição, e o principal deles talvez seja a pouca semelhança física com a Marilyn original. Todavia, quando se coloca os olhos sobre ela, qualquer traço físico dissonante que ela apresente com relação à matriz perdem totalmente a relevância, porque ela sublinha em gestos, charme e sotaque a aura de gata surreal que há muito envolve Marilyn Monroe, dilacerando jovens corações e embevecendo olhares de marmanjos com retinas ávidas de fêmeas monumentais. Ela nem foi a primeira opção para o papel. Chegou-se a pensar em Scarlett Johansson inicialmente. E Colin é o mais atingido por esse meteoro, com quem chega a ensaiar um romance nos tais sete dias. É graças a ele que hoje temos em livro e em filme um dos retratos mais apaixonados e lisonjeiros sobre a musa de lourice forjada.
Outro ponto positivo de Sete dias com Marilyn é aquele que se aponta comumente em cinebiografias ou em recortes cinebiográficos, como é o caso aqui: a possibilidade de enxergar um lado mais humano e privativo da atriz. Antes de todo o turbilhão que ela representou e ainda representa, existia uma mulher cuja beleza ofuscante era diretamente proporcional às suas insegurança e perturbação. E, ainda que temos nos habituado a cultivar a imagem de Marilyn Monroe, esta é, por si só, um mito, já que nem era o seu verdadeiro nome – para quem não sabe, era Norma Jean. Isso fica nítido na cena em que, acompanhada de Colin, ela faz graça com um bando de fotógrafos que estava à sua espreita. Ela diz ao rapaz: “Devo ser ela”. Considerando a dubiedade do verbo “dever” em português, abre-se margem para entender o seu uso como indicador da possibilidade (“Talvez eu seja ela”) ou da obrigação (“Eu tenho que ser ela”) de ser Marilyn Monroe. Seja como for, Sete dias com Marilyn se presta muito bem a evidencias que o mito segue vivíssimo, para além de qualquer teoria que se proponha a justificá-lo ou traduzi-lo.
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