5 de ago. de 2010
Mágica, mistério e humor afiado em "Scoop - O grande furo"
A crítica costuma chamar despretensiosos os filmes que são produzidos sem o aval de cifras milionárias, sem elencos muito famosos, sem uma narrativa grandiloquente, sem cenas mirabolantes, sem grandes viradas de roteiro, entre outros fatores. Pois esse é o termo que melhor se encaixa numa qualificação rasteira de “Scoop – O grande furo”, a incursão de Woody Allen no cinema do ano de 2006. Todos os elementos que o cineasta deixara adormecido na década de 70 retornaram com grande força nessa produção, que, para além de ser uma trama divertida em sua despretensão, é uma joia que seduz fãs mais ardorosos, resistentes à ideia de apontar defeitos na obra de seu objeto de adoração – inclui-se, aqui, o autor dessa crítica – e aos menos entusiásticos do universo todo particular de Allen.
A força do longa está, como de hábito na filmografia do realizador vetusto, em diálogos muito bem escritos, proferidos, aqui, mais uma vez pelos belos e libidinosos lábios de Scarlett Johansson – que Ryan Reynolds não saiba ler português. São eles que movem as ações de uma protagonista atrapalhada em suas tentativas de acertar, mas vítima de sua própria ingenuidade. Sondra Pransky (Johansson) é uma estudante de jornalismo neófita atrás do furo de reportagem de sua vida, o que já é a razão de ser do título da obra. Na busca por uma notícia que seja a maior novidade, ela se envolve em uma trama de magia e vigarice, no melhor espírito das comédias setentistas.
Essa é a segunda colaboração de Johansson com Allen, que chegou a ser apontada como a musa desta década do diretor. Mas cada uma das parcerias traz uma faceta distinta da atriz. Se em “Ponto final” (2005) ela era o próprio retrato da sensualidade, elevada à sua máxima potência pela câmera do cineasta, em “Scoop – O grande furo”, sua Sondra é incrivelmente inocente, metendo os pés pelas mãos a cada novo passo que tenta dar. Com isso, fica evidente a aproximação da atriz com a persona criada por Allen para habitar dez entre dez filmes seus. Ela absorve trejeitos de diretor, mimetizando-se com grande talento à narrativa do filme. O curioso é que Allen costuma lançar mão de um alter ego apenas quando não está em cena. Entretanto, aqui, ele também aparece em frente às câmeras, o que se justifica pela paternidade (arranjada) entre seu personagem e Sondra. Um detalhe que chama a atenção é que, no fundo, existe uma semelhança física entre Johansson e Mia Farrow, musa de outrora do diretor. A caracterização de Sondra lembra bastante a de Halley Reed, personagem de Farrow em “Crimes e pecados” (1989). De certa forma, é como se Allen visse em Johansson uma versão mais jovem, e igualmente talentosa de Farrow.
Nas desventuras vividas por Sondra, surgem duas figuras carismáticas para interpelá-la, cada qual à sua maneira. Primeiro, é Sid Waterman (Allen), um mágico cheio de truques duvidosos que promete auxiliá-la em sua procura pela matéria perfeita. E tem ainda Peter Lyman (Hugh Jackman, mostrando mais que músculos e cara de mau), um charmoso aristocrata que tira a jovem do sério com seu jogo de sedução. Para os mais curiosos, o tal furo pelo qual Sondra procura diz respeito a Peter, que pode ser um terrível serial killer em busca de uma nova vítima. A deixa é dada por Joe Strombel (Ian McShane), uma espécie de oráculo que revela à jovem a existência desses crimes.
O longa também é o segundo de Allen rodado em Londres, depois de tantas obras centradas na sua Nova York natal. A troca de cidade fez bem à sua filmografia, e mostrou que a atmosfera londrina pode render não só um drama dostoievskiano, mas também uma singela comédia, como é o caso desse “Scoop” (no original). Tudo na trama é conduzido com uma leveza admirável, que resgata a mão de Allen para os enredos mais “inocentes”, por assim dizer. Entre os exemplares recentes de sua produção, apenas “O escorpião de jade” (2001) se aproxima desse clima de humor á moda antiga no qual o realizador é especialista. Não faltam, portanto, autorreferências feitas com muita habilidade.
Por conta de sua fluidez, o filme não apresenta grandes novidades em relação ao que Allen já produziu até hoje. As neuroses de um indivíduo, tão comuns em sua obra, mais uma vez são dissecadas aqui, de maneira minimalista, refletindo-se especialmente na figura de Sondra, que não sabe se se entrega de uma vez aos encantos de Peter, ou se deixa a voz da razão a conduzir ao final de sua investigação. Nesse delicioso mistério, a essa voz é ninguém menos que Sid, que a leva a algumas das situações mais hilárias do filme, que se define muito bem com uma excelente comédia de erros. Mais uma vez, por fim, Allen prova que não é preciso inovar o tempo todo para cativar a atenção de um espectador interessado em uma história simples. Alguns lugares-comuns, se bem administrados, podem render pequenas pérolas. E “Scoop – O grande furo” está aí para provar exatamente isso.
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