19 de abr. de 2012

Mulheres à beira de um ataque de nervos: tudo ao mesmo tempo agora


A famigerada opulência cromática almodovariana também está inserida em Mulheres à beira de um ataque de nervos (Mujeres al borde de um ataque de nervios, 1988), que rendeu ao realizador espanhol uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano seguinte à sua concepção. Mas essa característica badalada de seus filmes não é a única a comparecer aqui. Almodóvar também coroa o longa de toda uma passionalidade, narrando, por meio de um roteiro de sua própria autoria, um dia de peripécias na vida de Pepa Marcos (Carmen Maura). Ela é uma atriz que se encontra em colapso por causa do término de um longo relacionamento com um homem casado. O fato afeta diretamente o seu desempenho na função que desempenha ultimamente, que é a de dubladora de filmes de gosto duvidoso, uma inserção cômica muito benvinda à história, embora pouco explorada.

Na verdade, Pepa é somente uma das mulheres que se encontra no estado declarado pelos títulos original e em português do filme. A ela se juntam ainda Candela (María Barranco), uma grande amiga sua que se encontra envolvida com um terrorista, Marisa (Rossy de Palma), a namorada de Carlos (Antonio Banderas), o filho de seu amante, e Lucía (Julieta Serrano), a esposa traída que anda mais descompensada que todas as outras juntas e representa o grande perigo para as demais, por assim dizer. E todas acabam confinadas no apartamento de Pepa, o que é um prato cheio para desdobramentos rocambolescos, como Almodóvar tanto ama e nos diverte tanto. Exatamente nisso está o atrativo de Mulheres à beira de um ataque de nervos: em costurar com diligência uam trama cômica que revela aspectos bizarros das personalidades de seus personagens. Pepa, por exemplo, não quer admitir que seu amante já não a vê com interesse e, por isso, dispensou-a. Lucía, por sua vez, acabou de sair de uma clínica psiquiátrica e nem é capaz de responder pelos próprios atos. Por isso, um revólver em suas mãos pode causar mais estragos que o “normal”.

Ao longo do filme, os acontecimentos vão se superpondo, o que deixa a nítica sensação de que ele dura ainda menos do que seus enxutos 89 minutos. Almodóvar sabe cruzar os destinos dos personagens de modo inteligente e divertido, mantendo a fidelidade à sua gramática particular e, ainda assim, é capaz de surpreender. O filme em questão flerta com a cafonice o tempo todo, e se afasta do estilo europeu de estudo de personagens em tramas introspectivas, mas, na tela, o tal diálogo não se constitui demérito algum. Tudo flui com muita naturalidade e humor na história, e os risos podem ser praticamente inevitáveis. Ademais, há um detalhe que, a depender do espectador, pode corroborar a comicidade do enredo: como se trata de um filme falado em espahol, cada palavra emitida pelos personagens se torna ainda mais engraçada. A língua espanhola, ao menos na visão de quem não a tem como língua materna, carrega consigo um teor divertido. Sem falar que Carmen Maura, por exemplo, sabe ser hilária na pele de uma mulher que ainda arrasta um bonde para o ex-amante, e que mergulha em uma crise existencial patética por conta de sua indiferença.



Por falar em Maura, essa é uma das suas nove parcerias com Almodóvar, que inclui títulos como Maus hábitos (Entre tinieblas, 1983) e A lei do desejo (La ley del deseo, 1987), passando pelo mais recente Volver (idem, 2006), o último encontro entre ambos. Oxalá possam voltar a trabalhar juntos, visto que, quando reunidos, formam uma dobradinha e tanto. Ela se sente plenamente à vontade habitando o universo do diretor, e se soma a outras grandes atrizes que também costumam fazer bonito em suas obras, a saber: Marisa Paredes e Penélope Cruz. Entretanto, Mulheres à beira de um ataque de nervos também traz a exótica Rossy de Palma, cuja personagem cai na grande armadilha preparara por Pepa. Ao tomar um gaspacho que encontra na geladeira da dubladora, ela cai em um sono profundo, já que Pepa havia despejado uma dose cavalar de tranquilizantes na receita, e pretendia entregá-la a Ivan, o tal ex-amante. O tiro sai pela culatra e Ivan segue livre, leve e solto para arrastar suas asinhas para uma outra incauta, com seu espírito de amante de quinta categoria.

Ainda que tenha sido largada por Ivan, porém, Pepa luta para salvar a vida do canastrão, que está sob a mira furiosa de Lucía, esta verdadeiramente revoltada com o abandono do marido. Então, os personagens saem do apartamento onde se dá a maior parte da ação do filme e correm desenfreados pelas ruas da cidade, gerando um clima de perseguição divertidíssimo no filme. E boa parte das cenas é pontuada por uma trilha sonora preciosa, sublinhando os ares cafonas que impregnam o longa como um todo e, surpreendentemente, fazem dele uma obra atraente. O espanhol tem a notável habilidade de converter tramas e personagens que soariam constrangedores em outras mãos em narrativas e tipos capazes de despertar vero interesse. E Mulheres à beira de um ataque de nervos é um filme que não tem vergonha alguma de se assumir como uma comédia rasgada sobre as desventuras de fêmeas que, para matarem o leão de seu dia, não fogem ao combate.

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