15 de out. de 2012

Copacabana me engana, uma crônica da paixão na cidade


Copacabana me engana (idem, 1968) conta a história de Marquinhos (Carlo Mossy), um bom vivant da Zona Sul carioca que, levando a vida na flauta, adia seus compromissos com a realidade de um jovem adulto. No primeiro plano do filme, o protagonista caminha pelas ruas do bairro-título ao som de Baby, eternizada na voz aguda de Gal Costa, cujos versos aparentemente ingênuos dão conta de denunciar um estado de coisas desordenado que provém da submissão da nação brasileira a um regime ditatorial, iniciado poucos anos antes do momento em que se passa a trama. Aos poucos, o diretor Antônio Carlos da Fontoura situa o espectador no cotidiano frívolo de Marquinhos, que aprecia muito a esbórnia com os amigos e é daqueles que se deixa influenciar pelo que eles pensam e dizem que deve ser feito, como conquistar uma bela mulher. Aquela pressão típica dos companheiros, com vistas a garantir a masculinidade do rapaz sobre o qual eles a aplicam, parece não estar circunscrita a um tempo específico.

A principal fonte de deleite feminino de Marquinhos e seus amigos é o apartamento em frente ao dele. Da janela, eles podem observar os hábitos de belas vizinhas e torcer para vê-las se despindo diante dos seus olhos ávidos de mulheres formosas. Numa dessas espiadas, ele flagra Irene (Odete Lara), um tanto mais velha do ele e com uma sensualidade quase irresponsável que balança suas estruturas de jovem aprendiz de amante. Ele também a encontra em uma lanchonete, e ganha o incentivo dos amigos para se aproximar dela, o que acaba fazendo de um modo um tanto desastrado, mas eficaz. O envolvimento entre os dois não tarda a se concretizar e, durante um certo período, a vida de Marquinhos muda, fazendo-o adotar um comportamento menos imaturo, já que vai experimentando algumas benesses do amor.

Em pouco mais de 90 minutos, Copacabana me engana sintetiza com desenvoltura uma juventude sem perspectiva, que caminha a esmo pelas ruas da cidade e vive de improvisos, como se o amanhã fosse um tempo distante demais para ser necessário se preocupar com ele. Tanto Marquinhos quanto Irene têm suas vidas atravessadas pelo tédio e pela incompletude, e um relacionamento amoroso entre eles não dá conta de preencher essas lacunas interiores que eles carregam consigo. O romance entre ambos acaba sendo apenas um ensaio mal desenvolvido, tornando-o comparável à paixão desbotada dos personagens principais de A aventura (L’avventura, 1960), um dos olhares melancólicos de Michelangelo Antonioni para a apatia do homem moderno. Quando o vazio de Marquinhos se une ao vazio de Irene, o resultado só pode ser um abismo profundo de carências e pendências que eles precisam resolver consigo mesmos antes de mais nada, o que só comprova que ninguém pode funcionar como alternativa ao tédio de ninguém. Um relacionamento sólido não se constrói à base de escapismo.


Por muitos indícios, Copacabana me engana é um filme do seu tempo, mas consegue ultrapassá-lo ao abordar as questões citadas anteriormente. Por outro lado, ele se mostra como um típico filme brasileiro sessentista ao exibir um país ainda distante do prestígio perante as nações estrangeiras, enxergado como um reduto perene de desfiles carnavalescos e mulatas sestrosas. Sem falar na classe média de ecos provincianos que se evidencia no comportamento e nas falas dos pais de Marquinhos, que lutam para que o filho encontre um rumo na vida e siga o exemplo do irmão mais velho, interpretado por Cláudio Marzo. Com isso, o filme alcança um bom equilíbrio entre a comédia de costumes e o romance desengonçado que pende para o drama sem perder a leveza. Estamos diante de um crônica da paixão na cidade, dessas que acontecem em todo lugar todos os dias e que não chegarão a se tornar notícia no dia seguinte, a não ser que deem origem a um crime passional. O preto e branco da fotografia assinada por Affonso Beato e Jorge Bodansky, por sua vez, responde por boa parte do charme do filme, de alma indiscutivelmente carioca.

Existem traços autobiográficos em Copacabana me engana, devidamente pensados por Fontoura, também responsável pelo roteiro e que fazia a sua estreia em ambas as funções aqui. Paulista nascido em 1939, ele próprio se mudou para o bairro quando criança e cruzou algumas de suas referências pessoais com outras do lugar, engendrando uma apaixonante visão sobre a importância de ter paixão pela vida. Some-se a isso o ótimo trabalho de montagem de Mário Carneiro e a remissão de ideias cinemanovistas e temos quase uma pequena gema, daquelas que, muitas vezes só são descobertas após um certo esforço de garimpo. É uma pena que ele mesmo, com o passar dos anos, tenha se tornado um diretor de expressão pálida, com títulos pouco empolgantes em sua filmografia. Os personagens do longa são gente absolutamente comum, que se preocupa em ser correspondida no amor mas também com o preço da gasolina e do pãozinho, porque a vida tem seu lado pragmático que não pode ser perdido de vista. A mímese criativa de Fontoura, portanto, é hábil, e digna de ser conferida.